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Saúde

(HU-UFPI/Ebserh) realizou o primeiro transplante ósseo no Piauí.

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Doação de órgãos: conscientização da família é essencial para salvar vidas

Avelar Alves defende que para aumentar o número de transplantes no Brasil as famílias precisam conversar sobre a doação de órgão que, para ele, é um ato de humanidade e generosidade.

“A nossa maior dificuldade é ter órgão para transplantar porque paciente nós temos”. A frase é do nefrologista Avelar Alves, transplantado de rim e que realizou mais de 300 transplantes, mudando a realidade de muitas famílias ao longo da carreira como médico no Brasil.

“Eu sou médico nefrologista e sou transplantado. Estou dos dois lados. Eu já fui um paciente que precisou de um órgão na minha vida. Felizmente, eu tive a família para doar, mas a maioria das pessoas não têm um doador vivo”, afirma.

No Brasil, até novembro de 2024, mais de 40 mil pessoas estão pacientes ativos na lista de espera por um órgão, conforme o Sistema Nacional de Transplantes, do Ministério da Saúde. Já a Central de Transplantes do Piauí, até outubro de 2024, tinha 956 pacientes na lista de espera. Desses, 384 pacientes aguardavam por córneas e 572 por um rim.

Avelar Alves defende que para aumentar o número de transplantes no Brasil as famílias precisam conversar sobre a doação de órgãos que, para ele, é um ato de humanidade e generosidade.

“Ninguém gosta de falar de morte, mas é preciso para a doação. A única maneira que nós temos para diminuir a lista de espera (por um transplante) é a pessoa ser doadora. Então, a gente precisa que a pessoa tenha essa consciência e manifeste o desejo em vida de ser um doador aos seus familiares”, defende o especialista.

Falar sobre transplante para o médico, é conversar sobre qualidade de vida. Avelar Alves acompanha o dia a dia das pessoas que vivem em situação de doença renal crônica; situação vivida por ele antes de receber um rim da irmã em 1989.

“Transplantar é a melhor terapia para quem tem doença renal crônica.  O paciente pode voltar a ter atividades laborais, profissionais, estudar; ter uma vida social e privada. Antes do transplante, a pessoa vive uma situação crítica porque depende da hemodiálise (processo de filtrar o sangue e remover toxinas, sais e líquidos quando os rins não funcionam) ”.

DOANDO VIDAS, INSPIRANDO RECOMEÇOS

Para conscientizar os piauienses sobre a importância de doar órgãos, o Ministério Público do Piauí (MPPI) está com a campanha “Doando Vidas, Inspirando Recomeços”. A prática recebeu reconhecimento do Conselho Nacional de Justiça e conquistou o primeiro lugar no Prêmio Justiça & Saúde, na categoria Sistema de Justiça, em 2023.

O promotor de Justiça Eny Pontes, idealizador do projeto, narra que a ideia surgiu em 2018, quando assumiu a 12ª Promotoria de Justiça e recebeu a notícia de que todos os processos de transplante do Hospital Getúlio Vargas (HGV) estavam suspensos por falta de material. O HGV realiza transplantes de rim e de córneas.

“Conseguimos, ao longo do tempo, sanar este problema (da falta de material). Agora estamos em outro momento: o de ampliação dos serviços. Estamos lutando com a Secretaria de Saúde do Estado (Sesapi) para que seja implantado o serviço de transplante de fígado”, diz o promotor, afirmando que o projeto incentiva a compra de novos equipamentos.

Eny Pontes também participa de reuniões com a equipe do Hospital Universitário (HU) da Universidade Federal do Piauí, que busca implantar o serviço de transplante cardíaco. “Todos os pacientes que necessitam de transplante cardíaco vão para fora do estado (do Piauí). É um sofrimento grande, às vezes, inclusive, com o paciente vindo a óbito diante de tantas dificuldades”.

Nesse sentido, o promotor pontua que o projeto “Doando Vidas, Inspirando Recomeços” possui, em especial, dois eixos: 1) estruturante, que é a criação de novos serviços ou melhoria dos serviços existentes; 2) a conscientização da população sobre a doação de órgãos. O MPPI mantém parcerias com grandes eventos para promover campanhas informativas, como em shows e carnavais fora de época.

“Se não há doação de órgão, não há transplante; seja intervivos ou pós-morte. Então, a conscientização é o primeiro passo. A partir do momento que nós temos doações, nós temos, inclusive, subsídios para mostrar aos gestores de saúde a necessidade de melhorar toda a rede de transplante do estado”.

Outra discussão importante por meio do projeto é fortalecer a assistência pelo Tratamento Fora de Domicílio (TFD), da Sesapi, que presta apoio aos pacientes com acompanhamento fora do estado piauiense. Entre os debates, o promotor cita a necessidade do serviço de urgência e atendimento 24 horas.

“Quando surge uma vaga, a compatibilidade de um paciente aqui do Piauí para fazer um transplante fora (do estado), tudo precisa ser muito rápido porque o órgão não pode esperar. Outro ponto é o atendimento presencial para dar mais segurança e mais assistência aos pacientes, aumentando inclusive a quantidade de assistente social no TFD”, comenta o promotor.

CAPTAÇÃO DE ÓRGÃOS e TRANSPLANTES

No caso do doador falecido, até a cirurgia acontecer, existe um longo percurso que inicia na morte encefálica, autorização da família e compatibilidade do paciente que irá receber o órgão.

No dia 1º de novembro de 2024, a Sesapi fez a primeira retirada de múltiplos órgãos no interior do Piauí com a captura do fígado, dos rins e das córneas, no Hospital Estadual Dirceu Arcoverde (Heda), em Parnaíba, O paciente de 28 anos foi diagnosticado com morte encefálica após sofrer um acidente de trânsito. Com autorização da família, os órgãos dele foram encaminhados a pacientes do Piauí e do Ceará.

Na época, em entrevista à imprensa, a coordenadora da Central de Transplantes do Piauí, Maria de Lourdes Veras, comentou que a retirada foi um marco no sistema de saúde estadual porque “possibilita maior número de notificações e captações de órgãos e tecidos para transplantes, para dar assistência aos pacientes que aguardam na lista de espera”.

Os dados da Sesapi mostram que, somente no ano de 2024, o Piauí realizou 38 captações de múltiplos órgãos. Antes do procedimento múltiplo em Parnaíba, todos os anteriores aconteceram na capital Teresina. Um avanço na rede pública estadual.

Além do HEDA, é válido lembrar que, no interior do Piauí, também acontece a retirada de córneas no Hospital Regional de Campo Maior e no Hospital Regional Senador Chagas Rodrigues em Piripiri. Na capital piauiense, o Hospital de Urgência de Teresina (HUT) também atua na captação de órgãos.

Em 2023, a Sesapi registrou a captação de 27 rins e 159 córneas para o processo de doação.  O HGV somente em 2024 já contabiliza 28 transplantes de rim e 29 procedimentos com córneas, até os meses de outubro e novembro, respectivamente.

Em novembro de 2024, o HU-UFPI realizou o primeiro transplante de tecido musculoesquelético no Piauí. A cirurgia só foi possível com o apoio do Instituto de Traumatologia e Ortopedia (INTO), do estado do Rio de Janeiro. Conforme o HU-UFPI, “o procedimento teve a finalidade de capacitar profissionais locais, permitindo que cirurgias similares sejam realizadas em Teresina”.

BUSCA ATIVA POR ÓRGÃOS

A Comissão Intra-Hospitalar de Procura de Órgãos faz uma busca ativa por doadores nas unidades hospitalares. Os membros acompanham o quadro de saúde dos pacientes para identificar mais precocemente um possível doador.

O paciente pode doar as córneas até seis horas depois da morte. Quando são órgãos sólidos, como rins, pulmão, fígado e coração, a doação é feita logo após o diagnóstico de morte encefálica. Os mais sólidos precisam ser transplantados, em regra, dentro de seis horas.

Com a confirmação da morte encefálica, a comissão, treinada pelo Ministério de Saúde, em parceria com todos os programas de treinamento para equipes de doação e transplante de órgãos, conversa com a família.

O enfermeiro Gilson Cantuário, coordenador da Organização de Procura de Órgãos e Tecidos (OPO), do Hospital Getúlio Vargas, explica que a OPO está ligada ao Sistema Nacional de Transplante, coordenado pela Central de Transplantes do Estado do Piauí.

Cantuário esclarece que a OPO se propõe a “aumentar a doação de órgãos através da busca de potenciais doadores de múltiplos órgãos e de tecidos. É um serviço de urgência que funciona 24 horas. É identificar e efetivar doadores de múltiplos órgãos em morte encefálica”.

O coordenador acrescenta que a morte cerebral ou encefálica é compulsória, obrigatória por todas as instituições de saúde com pacientes neurocríticos. “Uma vez que elas notificam, a gente vai dar apoio às Comissões Internas de cada hospital, que tratam sobre a efetivação do protocolo de morte cefálica. Somos muito rigorosos, o que permeia nosso trabalho é a ética profissional”.

“Falar sobre doação de órgãos com as pessoas que perderam seus entes queridos exige preparo no momento da entrevista (com a família). Nossa equipe é preparada, tem treinamento específico. Mas é preciso, antes disso, que a família fale sobre doação de órgãos”.

Gilson Cantuário reforça que muitas pessoas não querem falar sobre a morte, sendo, de acordo com ele, a “única certeza que se tem em vida”. “Um dia todos nós vamos morrer. E, mesmo depois da morte, podemos salvar vidas”. Para isso, o enfermeiro defende que toda a família precisa ter apoio psicossocial durante todo o decorrer do processo.

LISTA DE ESPERA

O Brasil possui uma única lista de espera nacional por órgãos e há critérios específicos para entrar ou sair dela.  Quando aparece um coração, por exemplo, pelo menos 10 pessoas da lista – possivelmente compatíveis com o órgão – são convocadas para iniciar o processo de transplante. O receptor precisa estar saudável.

“Desses 10 (pacientes), algum pode estar gripado, com alguma infecção. O órgão não pode esperar. Ninguém passa na frente de ninguém. A lista é rigorosamente obedecida. Quem é chamado sabe que não necessariamente é o primeiro”, explica dr. Avelar Alves.

“As pessoas que esperam por um órgão ficam a todo tempo atento, próximo do telefone, porque sabem que podem ser chamados (pela equipe médica/hospitalar) a qualquer momento. Alguns se mudam para próximo do local do transplante para não arriscar perder”, acrescenta o médico.

Foi o que aconteceu com o casal Raimundo Barbosa e Veralucia Barbosa, piauienses que passaram a morar em Fortaleza, no Ceará. Ele faz hemodiálise três vezes por semana e aguarda por um duplo transplante (rim e fígado).

“O transplante de órgão é resiliência, é uma espera constante. É a espera pela vida, por uma qualidade de vida. Alguns ficam pelo caminho por não resistirem à longa espera”, diz Veralucia, que acompanha o marido.

DOAÇÃO ENTRE VIVOS

A doação de órgãos entre pessoas vivas também acontece diariamente no Brasil. Nesse processo, devido à falta do doador falecido, os pacientes procuram por doadores vivos na própria família.

“Para ser doador vivo, é necessário que a pessoa seja juridicamente capaz e tenha saúde física”, cita o médico Avelar Alves, como os dois principais requisitos para que o pai do paciente, por exemplo, seja o doador. O doador vivo também passará por uma avaliação clínica física e mental rigorosa por diversos especialistas, como nefrologista e cardiologista, a depender do transplante.

No caso do doador vivo, o Ministério Público precisa acompanhar o trâmite. “O promotor Eny (Pontes) sempre conversa com essas pessoas para evitar o comércio de órgão e qualquer suspeita de troca de favores, dinheiro. O Ministério Público faz este trabalho muito bem feito”, defende o médico.

O Ministério Público ajuíza ações coletivas. Nenhum caso de tráfico de órgão tramitou no MPPI. A família do doador vivo pede autorização para transplante por meio de advogados ou Defensoria Pública, em ações individuais.

O RECOMEÇO

A piauiense Jocélia Ciríaco esteve na lista de espera por quatro anos, passou por hemodiálise, até um doador de rim compatível aparecer na sua vida. O transplante aconteceu em 17 de maio de 2009, na capital fortaleza (CE), de um doador falecido. Após 15 anos, ela define que a “doação significa chance de vida nova e realização de sonhos”.

Assim como os demais especialistas, Jocélia, que é assistente social, reforça que as pessoas precisam conversar com a família para que ela possa autorizar a doação de órgãos, na condição de morte encefálica.

Hoje, ela faz parte da Associação dos Pacientes Renais Crônicos do Piauí (Aprepi), auxiliando pessoas em tratamento dialítico ou transplantado renal. A Aprepi se mantém aberta por meio de doações, está localizada na Rua Rui Barbosa S/N em Teresina (PI) e oferece uma casa de acolhimento temporário.

Eu sobrevivi e, graças à doação de órgãos, pude conquistar minha formação superior e acompanhar o desenvolvimento da minha filha, que tinha apenas um ano (de idade) quando adoeci. Hoje ela tem 26 anos. Agora, ajudo outras pessoas que, assim como eu, logo no início do tratamento, precisam de orientação. Nós fazemos a defesa aos direitos do paciente. O direito à saúde é um dever do estado”.

CONVERSE COM A SUA FAMÍLIA

Ao refletir sobre a doação e a esperança de quem aguarda por um órgão, o promotor Eny Pontes afirma que é possível bloquear, nem que seja por um momento, o pensamento sobre “a morte”. Ele comenta que os profissionais no setor de transplante trabalham com dois sentimentos: o luto de uma família e a esperança de vida para outras pessoas.

“Uma vez confirmada a morte encefálica, os órgãos retirados da pessoa falecida pode salvar até 10 pessoas”, lembra o promotor, pedindo que as pessoas conversem com os familiares sobre a possibilidade da doação.

“Não vai ser um registro no cartório da sua vontade de ser doador que fará a diferença, vai ser o registro no dia a dia com a sua família que vai valer, pois é a sua família que vai decidir, na hora da confirmação da morte encefálica, se vai ou não doar os seus órgãos“.

Carlienne Carpaso
carliene@tvclube.com.br

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