Economia
O Auxílio Emergencial foi lançado pelo governo em abril deste ano
Próximo do fim, Auxílio Emergencial ganha ’empurrão’, mas segue sem substituto definido
Programa resultou em aumento real de 2,1% da massa de rendimentos do brasileiro, segundo cálculos da FGV. Projeto do Renda Brasil não foi apresentado e governo estuda uma forma de arrastar a ajuda por mais tempo, gastando menos.
O Auxílio Emergencial foi lançado pelo governo em abril deste ano com a previsão de pagar 3 parcelas de R$ 600 para trabalhadores autônomos e desempregados afetados pela pandemia do novo coronavírus. Próximo ao fim após uma prorrogação que elevou a 5 o número de parcelas, o governo sinaliza que o programa deve ganhar vida extra. Mas não anunciou como será essa nova prorrogação: nem o valor, nem o número de novas parcelas.
A expectativa por novos pagamentos surge enquanto a equipe econômica do governo ainda discute um modelo de ampliação para o Programa Bolsa Família, o chamado Renda Brasil. Como o impasse persiste sobre a nova assistência social, o governo tenta esticar o auxílio para que não haja uma janela de abandono aos mais de 60 milhões de recebedores do benefício de emergência.
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Até 31 de agosto, os quase 20 milhões de beneficiários dentro do Bolsa Família terminarão de receber a última das 5 parcelas já aprovadas do auxílio. Até o final de setembro, terminam também os repasses ao primeiro lote de aprovados pelo programa, inscritos pelo aplicativo e site ou que fazem parte do Cadastro Único.
Com futuro incerto, o Auxílio Emergencial evitou que mais de 30 milhões de pessoas caíssem para baixo da linha de pobreza, além de diminuir os índices de desigualdade ao longo da crise. A ausência de um plano de saída pode fazer desmoronar esse esforço de resgate aos mais vulneráveis e travar o consumo, principal motor para a economia brasileira.
Efeitos do auxílio
Passado o enorme choque nos indicadores econômicos, os números mostram, agora, que a atividade vem reagindo. O boletim Focus da última segunda-feira (17) traz a sétima revisão positiva em sequência para o PIB em 2020. A previsão é de queda de 5,52% para a economia neste ano, contra uma expectativa de contração de 6,54% no pior momento da crise.
O otimismo tem íntima ligação com o resultado produzido pelo Auxílio Emergencial. Segundo cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) a rede de proteção social montada pelo governo resultou em aumento real de 2,1% da massa ampliada de rendimentos do brasileiro.
Essa é a soma dos ganhos de renda por meio do trabalho, de programas de assistência social e de previdência da população como um todo. Além do auxílio, houve efeito positivo da liberação emergencial de contas do FGTS e a complementação de renda pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm).
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Sem qualquer plano de assistência durante a crise, esse indicador teria caído 5,6%, segundo os cálculos do Ibre/FGV. A diferença é de quase 8 pontos percentuais (p.p.).
Os programas, portanto, não só compensaram as perdas causadas pela pandemia, como geraram ganhos para o agregado da população.
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A composição de renda permitiu alguma continuidade do consumo, em especial de bens não-duráveis, como alimentos. Nessa esteira, a projeção de PIB para o ano foi revisada pelo Ibre/FGV de -6,4% para -5,4%. E o impacto das políticas de compensação de renda, pelos cálculos do instituto, é de 2.8 pontos percentuais no consumo das famílias neste ano, o equivalente a 1.8 p.p. no PIB de 2020.
O cálculo, no entanto, aponta impacto nos segundo e terceiro trimestres. Para o quarto trimestre, de outubro a dezembro, o instituto prevê queda de 5,2% da massa salarial em relação ao mesmo período de 2019. É o prognóstico de um fim sem substituto para o Auxílio Emergencial.
A situação do setor de serviços é um agravante. Com o platô prolongado dos casos de coronavírus, ainda não se pode prever quando os negócios voltarão à plena atividade e gerarão empregos. E trata-se de um campo que ocupa 60% do PIB brasileiro.
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“O mais relevante nesse momento é conseguir mensurar como o consumo vai se comportar a partir do quarto trimestre – principalmente se não houver o reforço de renda dos auxílios – e os efeitos no mercado de trabalho”, diz Luana Miranda, economista do Ibre/FGV.
Como mostrou reportagem do G1, os dados de emprego no país podem sofrer um repique nos próximos meses, justamente quando terminam os auxílios. Com a renda extra transferida pelo governo, há quem prefira se preservar da procura por emprego ou faça bicos informais para não perder o benefício.
Além disso, o BEm, que permite a suspensão do contrato ou redução da jornada de trabalho para que o empresário não demita, evitou que 15 milhões de contratos fossem despejados nos dados de desemprego. Ainda não se sabe a disposição dos empresários de manter essas vagas.
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Se os benefícios forem retirados de forma súbita, uma onda de trabalhadores voltará a procurar emprego enquanto empresários ainda estarão estudando a demanda e o comportamento dos clientes.
É neste cenário complexo que se forma a recuperação em “swoosh”, o símbolo da Nike, com uma calda prolongada, aposta do Ibre/FGV.
“Antes de uma vacina, a retomada pode ser retardada por esse padrão de consumo diferente. Como o trabalho informal vai reagir nesse contexto? São mudanças que podem ser estruturais na economia”, afirma Luana Miranda.
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Redução da pobreza
Mais do que simplesmente incentivar o consumo, o Auxílio Emergencial teve papel importante na redução da pobreza, da pobreza extrema e da desigualdade.
O economista Naercio Menezes Filho, professor do Insper, calcula esses cenários com e sem o programa até o fim de junho. Enquanto eram 11% abaixo da linha da pobreza no último mês de junho com o repasse de recursos, seriam 27% sem ele. Em números absolutos, isso significaria 33,6 milhões de pessoas a mais neste grupo.
Em termos de desigualdade, houve redução do índice de Gini. O indicador varia de zero a 1 – quanto mais próximo de zero, mais perfeita é a distribuição de renda de um país. Sem o auxílio, o Brasil teria 0,57 pontos. Com os R$ 600, teve 0,48.
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Custos
Uma política dessa grandeza tem custo. O déficit primário nas contas do governo estimado para 2020 é de R$ 800 bilhões, dos quais mais de R$ 250 bilhões estão relacionadas ao programa – até agora.
Sem espaço para seguir nesta dimensão de atendimento, Menezes entende que um bom próximo passo da rede de proteção social seria destinar recursos para um programa focalizado, com atenção especial na primeira infância. O custo estaria em torno de R$ 70 bilhões, mais que o dobro do que se despende anualmente com o Bolsa Família.
“Todos os estudos científicos mostram que o desenvolvimento cerebral acontece nos seis primeiros meses de vida e passa pela interação com meio ambiente”, diz o economista.
“Se a criança passa por estresse prolongado, como uma pandemia com muita gente em casa, alimentação restrita ou violência doméstica, o ritmo de desenvolvimento diminui e fecham-se janelas de aprendizado de habilidades sócio-emocionais. Será um adulto com problemas”, explica.
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Futuro misterioso
Os planos do governo, ao que tudo indica, não contemplam um plano de focalização. O Renda Brasil tem duas diretrizes claras: incorporar imediatamente quem espera na fila do Bolsa Família para dentro do programa e fundir outros benefícios sociais (considerados pelo governo sem eficiência) para ampliar o orçamento sem pressionar o teto de gastos.
Como reportou o blog do Valdo Cruz, o presidente Jair Bolsonaro deseja criar o Renda Brasil este ano, para começar a vigorar em janeiro de 2021, adicionando 6 milhões de pessoas aos 14 milhões inscritos no Bolsa Família. Para inserir este grupo, seriam extintos programas considerados ineficazes, como o abono salarial e o seguro-defeso.
Para o economista Marcelo Neri, coordenador do FGV Social, um Bolsa Família 2.0 precisaria ser mais certeiro. Ele desenvolveu um índice de focalização de benefícios sociais em uma escala de -1 a 1. Dinheiro bem distribuído aos cidadãos mais pobres tem resultado -1.
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O Bolsa Família, nos moldes atuais, marca -0,65. Uma ampliação do programa em um momento de restrição fiscal deveria, por essa lógica, adicionar os integrantes do Cadastro Único que hoje não estão no Bolsa. Essa parcela atinge -0,12 no índice de focalização.
Neri entende ainda que, além de não deixar desguarnecidos esses grupos mais vulneráveis, faltam diretrizes claras de entrada e saída do novo programa, que facilitem a mobilidade nos dois sentidos.
“É prudente elevar aos poucos, pois o calor da discussão traz o risco de errar na mão para cima, que foi o que Brasil fez na crise de 2008”, diz o economista.
“Foi um bom reflexo, com medidas rápidas, mas que duraram muito tempo e implicaram em aumento de gasto que o país não teve condição de sustentar”, explica. O Auxílio Emergencial, diz ele, saiu muito mais caro do que poderia por agraciar um cadastro amplo. “A ineficiência gera custo social”, diz.
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“O beneficiário do Bolsa Família, grupo que 87% mora em domicílios não unipessoais, tiveram direito a R$ 1,2 mil. As cinco parcelas do Auxílio são iguais a 2 anos e meio do que recebiam antes.”
O presidente Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (19) que o governo busca um “meio-termo” para estender o Auxílio. Certo é que os R$ 50 bilhões por mês para parcelas de R$ 600 foi tirado da mesa. Ainda assim, Bolsonaro quer um valor maior que os R$ 200 sugeridos pela equipe econômica.
Enquanto o estica-e-puxa não se resolve, os 60 milhões de beneficiários ainda não sabem se a renda para os próximos meses está garantida.
Por Raphael Martins, G1 / Foto: CAIO ROCHA/FRAMEPHOTO/ESTADÃO CONTEÚDO