‘Eu defenderei o direito constitucional do casamento civil das pessoas do mesmo sexo’, afirma André Mendonça
Democracia ‘sem sangue’
Em um momento controverso, Mendonça afirmou que o Brasil não teve “sangue derramado” e “vidas perdidas” durante o processo de conquista da democracia.
“A democracia é uma conquista da humanidade. Para nós, não. Mas, em muitos países, ela foi conquistada com sangue derramado e com vidas perdidas. Não há espaço para retrocesso. E o Supremo Tribunal Federal é o guardião desses direitos humanos e desses direitos fundamentais”, afirmou Mendonça.
A fala desconsidera mortes e tortura contra opositores do regime militar, que governou o Brasil de 1964 a 1985, e foi alvo de contestação.
“[Foram] 434 mortos, milhares de desaparecidos, 50 mil presos, 20 mil brasileiros torturados, 10 mil atingidos por processos e inquéritos, 8350 indígenas mortos. O deputado federal Rubens Paiva, quando fez discurso em defesa do presidente João Goulart, teve seu mandato cassado, casa invadida. Foi preso e torturado até morrer. Nossa democracia, senhor André, também foi construída em cima de sangue, mortes e pessoas desaparecidas. É inaceitável negar a história”, disse o senador Fabiano Contarato (Rede-ES).
Mendonça, então, disse que fazia referência às revoluções liberais, ponderou que “tanto a nossa independência como a nossa República não tiveram como precedência ou causa uma uma guerra civil” e reviu a declaração.
“O que não significa que a construção da nossa democracia não tenha custado vidas. Custou, sim, muitas vidas. Eu lembro a luta pela libertação dos escravos – quantos não perderam suas vidas? As lutas pelas garantias dos direitos das mulheres, as lutas pelo direito ao voto e todos aqueles que, ao longo da nossa história, têm lutado para a construção da nossa democracia e do Estado democrático de direito”, afirmou.
“Meu pedido de desculpas, por uma fala que pode ter sido mal interpretada e que não condiz com aquilo que eu penso. Vidas se perderam na luta para a construção da nossa democracia. Além do meu pedido de desculpas, o meu registro do mais profundo respeito e lamento pela perda dessas vidas”, acrescentou.
Lei de Segurança e relação com Bolsonaro
Durante a sabatina, Mendonça tentou se justificar sobre o uso da Lei de Segurança Nacional (LSN).
Na cadeira de titular do Ministério da Justiça, ele pediu a abertura de investigações contra críticos do governo Bolsonaro com base na lei. Mendonça justificou que a norma atribuía ao ministro da Justiça a competência para requisitar investigações de crimes contra a honra.
“Assim, sentindo-se o presidente da República ofendido em sua honra por determinado fato, o que significa a análise individual de a pessoa por si própria sentir-se subjetivamente ofendida em sua honra, devia o ministro da Justiça instar a Polícia Federal para apurar o caso, sob pena, de não fazendo, incidir em crime de prevaricação”, explicou.
Mendonça também procurou se descolar do governo ao dizer aos senadores que conheceu Bolsonaro apenas em 2018, às vésperas da posse, e que foi escolhido com base em seu currículo e histórico de trabalho.
“No dia 21 de novembro do ano de 2018, conheci o presidente Jair Messias Bolsonaro. Foi a data em que ele me convidou para chefiar a Advocacia-Geral da União, instituição a qual integro há quase 22 anos e que tem contribuído de forma extraordinária para a minha formação”, disse Mendonça.
“Conforme me fora dito na dita entrevista que resultou no anúncio do meu nome como ministro Chefe da AGU, o convite ali feito considerava o meu currículo e a qualidade do meu trabalho”, acrescentou.
Mendonça também foi questionado sobre a elaboração, por uma secretaria do Ministério da Justiça, de um relatório sigiloso sobre mais de 500 servidores públicos da área de segurança identificados como integrantes de movimento antifascismo e opositores do presidente Jair Bolsonaro. O documento foi visto como perseguição a críticos do governo.
Em resposta, ele disse ter prestado os esclarecimentos ao Congresso e apresentado a documentação ao STF.
“Foi reconhecido que, inclusive, eram atos que haviam se iniciado até antes da minha gestão. Não que antes da minha gestão houvesse também uma deliberação para se fazer, mas até porque o levantamento permitiu trazer um conhecimento de que, em outros momentos históricos, também havia situações similares. Eu concordo que todos nós somos antifascistas” afirmou.
Durante a sabatina, o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) afirmou que é testemunha da lealdade de Mendonça – “não a pessoas, mas a princípios”.
“Ninguém que venha votar em Vossa Excelência aqui hoje vai ser surpreendido, caso assim o Senado aprove, quando o senhor estiver exercendo essa importante função no Supremo Tribunal Federal porque sabe exatamente qual é o pacote que o senhor traz consigo. Acompanhando aqui esta sabatina, presencialmente ou virtualmente, quem está nos assistindo percebe a sinceridade, a humildade com que o senhor tem se colocado, enfrentando todas as questões sem desviar, sem tergiversar, sem agredir os seus princípios e sem falar para agradar ninguém atrás de voto”, disse Flavio.
Impedimentos
Ao menos dois questionamentos de senadores não foram respondidos por Mendonça sob o argumento de que poderia tornar-se impedido em votações no Supremo, caso tenha o nome confirmado.
Sobre a política de desarmamento, o ex-ministro limitou-se a dizer que “há espaço” para posse e porte de arma, mas que o debate deve ser em torno dos limites e da extensão desse direito. Mendonça disse ainda que tem o compromisso público de analisar o tema de “forma independente e à luz do texto constitucional”.
“Eu não posso me manifestar sobre a exatidão da possibilidade ou não ou da constitucionalidade ou não do tratamento que foi dado pelos decretos e por atos também legislativos que tratam da matéria, mas, acima de tudo, há a compreensão de que a segurança pública deve ser o objetivo a ser alcançado por todos nós. O principal debate, eu entendo, deve ser no Legislativo, mas, ainda assim, há espaço para regulamentação”, disse.
Já sobre a pandemia e os resultados da CPI da Covid sobre a atuação do governo, Mendonça ressaltou que o relatório da comissão de inquérito já foi encaminhado ao Supremo, o que o torna impossibilitado de fazer uma manifestação sobre “aspectos próprios” da comissão.
Mendonça admitiu, por outro lado, “que as situações podem – e a CPI apurou isto – ter extrapolado o que é o erro da má gestão e, às vezes, do desvio de conduta”. “Eu entendo que o trabalho da CPI, o valoroso trabalho da CPI deve ser levado a sério por todas as instituições do sistema de Justiça. Todas”, ressaltou.
O indicado ao Supremo também fez um aceno à vacinação, afirmando que os imunizantes são “a causa fundamental de nós termos equacionado, pelo menos em níveis não tão tristes ou não tão alto do número de mortes”.
A CCJ tem entre os titulares senadores que integraram a comissão de inquérito, entre eles os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Renan Calheiros (MDB-AL), presidente e relator da CPI.
Por Marcela Mattos e Luiz Felipe Barbiéri, g1 — Brasília