Esporte
Enormes dificuldades. Em nove meses, o Cruzeiro registrou R$ 84 milhões em receitas.
Apesar de esforços para reduzir gastos, endividamento do Cruzeiro continua a subir no 3º trimestre de 2020 e passa de R$ 1 bilhão
O ge explica os números do balancete a ser publicado pelo clube, referente ao período entre janeiro e setembro, no qual houve corte de custos e também perdas consideráveis nas receitas
Problemas no curtíssimo prazo. A dificuldade em conseguir o acesso para a primeira divisão, principalmente. E problemas logo ali. Apesar dos esforços para conter custos, centenas de milhões de reais cobrados por credores de toda sorte por causa de um passado desastrado.
Hoje o ge analisa as contas do Cruzeiro para que o torcedor entenda a situação. Os números estão contidos no balancete do clube referente ao terceiro trimestre, que compreendem de janeiro a setembro. O documento foi enviado ao blog em primeira mão pela direção celeste.
Receitas
Na arrecadação, enormes dificuldades. Em nove meses, o Cruzeiro registrou R$ 84 milhões em receitas. Muito menos do que os R$ 235 milhões que havia arrecadado no mesmo período do ano anterior.
Em R$ milhões | set/19 | set/20 | Variação |
Televisão | 77 | 22 | -55 |
Marketing e comecial | 18 | 22 | +5 |
Bilheterias e estádio | 15 | 1 | -14 |
Associados | 23 | 17 | -6 |
Atletas | 98 | 18 | -80 |
Outros | 4 | 4 | 0 |
Receitas | 235 | 84 | -151 |
Fonte: Balancetes
A segunda divisão é a principal explicação para a redução. De diferentes maneiras. Na televisão, a cota da Série B é muito inferior à que o clube teria direito se estivesse na elite. O Campeonato Mineiro não salva.
Nas transferências, também houve uma queda significativa. Time rebaixado para a Série B se desvaloriza muito, em especial da maneira como o Cruzeiro foi gerido em seu último ano por Wagner Pires de Sá e Itair Machado. Com muitos medalhões e jogadores de pouco valor.
Para agravar o quadro, a pandemia ainda fechou os portões do Mineirão. A receita que poderia ser esperada em venda de ingressos, que já não era muita, caiu a praticamente zero nesta temporada.
A única boa notícia está no departamento comercial. Patrocínios e licenciamentos. Com um aumento de R$ 5 milhões na comparação entre períodos, nove meses de 2020 contra de 2019, essa foi a única linha com um reajuste positivo. Porém insuficiente para amenizar os problemas.
Despesas
Os gastos do Cruzeiro entre janeiro e setembro ficaram em R$ 253 milhões. Muito mais do que as receitas, um mau sinal. Mas este número precisa ser entendido aos poucos para não gerar confusão.
Em primeiro lugar, é preciso separar do total as despesas com pessoal: salários, encargos trabalhistas e direitos de imagem. O balancete oferece um quadro com uma evolução mês a mês, em 2020. O blog reproduz abaixo as linhas do futebol profissional e das categorias de base.
Entre julho e setembro, a administração de Sérgio Rodrigues conseguiu baixar as quantias gastas no futebol profissional. Além do que a diretoria provisória havia feito no início da temporada, após os primeiros cortes. Ao mesmo tempo, os custos da base subiram um pouco.
Outro fator a ser considerado é o impacto das rescisões de contratos. No momento em que o clube rompe com algum jogador, precisa arcar com as consequências trabalhistas desse rompimento. Como Robinho e Edilson. Um sacrifício para reduzir o desembolso ao longo do tempo.
Em outro quadro, é possível ter uma noção mais clara dos esforços feitos pela administração celeste para baixar custos. Quando somadas todas as despesas, também administrativas e do clube social, inclusive folha, a redução entre 2019 e 2020 chegou a quase R$ 100 milhões.
Cruzeiro | set/19 | set/20 | Variação |
Receitas | 235 | 84 | -151 |
Despesas | -352 | -253 | -99 |
Provisão para contingências | 0 | -111 | -111 |
Resultado financeiro | -50 | -63 | -13 |
Resultado líquido | -167 | -343 | -176 |
Fonte: Balancetes
Provisões para contingências são o “reconhecimento” em balanço de ações judiciais que provavelmente serão perdidas. Elas são movidas por ex-jogadores, ex-técnicos, entre outros. Valores que estavam debaixo do tapete e foram trazidos para o balanço pela diretoria de Rodrigues.
Como as derrotas nas ações judiciais são prováveis, os valores delas entraram no endividamento do Cruzeiro, por isso tiveram de ser reconhecidos nas despesas. A contabilidade manda assim.
Mas as ações ainda estão em andamento. O desembolso de dinheiro acontecerá ao longo dos anos, conforme juízes e desembargadores executarem as dívidas. E não de uma vez, como sugere o quadro.
Por que essa história sobre contabilidade importa? O Cruzeiro teve entre janeiro e setembro um deficit (prejuízo) de R$ 343 milhões, no entanto uma parte considerável disso, R$ 111 milhões, refere-se às tais provisões para contingências. Que não têm “efeito caixa”. A situação é menos grave do que o númerão sugere, ainda assim é bastante preocupante.
Dívidas
Apesar de todos os esforços da atual diretoria para gastar menos, o endividamento do Cruzeiro continua a escalar. Em setembro, pela primeira vez na história, o clube passou da marca do R$ 1 bilhão.
Novas dívidas foram feitas? Não exatamente. Grande parte do problema está em uma linha que o clube chamou de “contas a pagar”, que inclui direitos de jogadores adquiridos (R$ 154 milhões) por administrações anteriores e comissões a intermediários (R$ 42 milhões).
Qual o problema? Muitas dessas compras foram feitas em dólares e euros. Os atletas vieram de clubes de futebol do exterior. A partir do momento em que o real é a moeda que mais se desvaloriza no mundo em 2020, essas dívidas disparam depois de terem sido feitas.
Existe um motivo para alívio.
Em outubro, o Cruzeiro fechou acordo com o governo para reparcelar impostos que deixaram de ser recolhidos. Por meio da transação tributária, a atual diretoria conseguiu R$ 152 milhões em descontos e prazo alongado para R$ 182 milhões restantes.
Os efeitos positivos dessa transação tributária – leia-se: abatimento de dívidas e alongamento do prazo de outra parte – ainda não foram contabilizados neste balancete de setembro. O acordo é posterior a ele. No balanço anual, o torcedor descobrirá o tamanho do benefício.
Nos empréstimos, houve outro movimento interessante. Créditos com vencimento no curto prazo, ou seja, em menos de um ano, foram reduzidos. O Cruzeiro chegou a setembro com apenas R$ 14 milhões a pagar para bancos e instituições financeiras. Já foi muito mais.
Ao mesmo tempo, os empréstimos aumentaram muito no longo prazo. Passaram a R$ 115 milhões, uma quantia que será cobrada pelos credores em prazo superior a um ano. Depois de setembro de 2021.
Isso gera dinheiro para “hoje” e compromete um futuro mais distante. Não há muito mais o que fazer, num quadro de receitas em queda.
No quadro abaixo, o último, o torcedor pode distinguir o endividamento de acordo com suas naturezas. Infelizmente, mesmo com o efeito positivo aguardado na parte fiscal, ainda há muito mais dívidas do que entradas de dinheiro à vista. Uma situação que tende a dificultar ainda mais se o Cruzeiro não voltar já para a primeira divisão. Para ontem.
@rodrigocapelo / São Paulo
Globoesporte.globo.com