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Mesmo banido, o ex-presidente da CBF permanece poderoso nos bastidores.
CBF termina ano com terceiro presidente e começa 2022 com disputa aberta pelo poder
Entidade deve passar por duas eleições: uma para completar o mandato de Rogério Caboclo e outra para definir o presidente de 2023 a 2027
A CBF vai terminar 2021 com seu terceiro presidente diferente no ano e vai ter um 2022 marcado por disputa pelo poder. Em janeiro deve ocorrer a destituição de Rogério Caboclo, o que abre caminho para uma eleição que decidirá quem completa seu mandato, até abril de 2023. E, a partir de abril de 2022, já pode ser marcada a eleição que vai definir o presidente da CBF para um mandato de quatro anos, de 2023 a 2027.
Nesta primeira eleição – a do mandato-tampão – só podem se candidatar a presidente os oito vices eleitos na chapa de Caboclo em 2018. O atual presidente interino é Ednaldo Rodrigues, no cargo desde 25 de agosto de 2021. Nos dois meses anteriores, a presidência foi ocupada por Antonio Carlos Nunes, o Coronel Nunes, que assumiu assim que Rogério Caboclo foi afastado por denúncias de assédio sexual e assédio moral reveladas pelo ge.
Os outros seis vice-presidentes são Fernando Sarney (Maranhão), Gustavo Feijó (Alagoas), Marcus Vicente (Espírito Santo), Francisco Noveletto (Rio Grande do Sul), Castellar Guimarães (Minas Gerais) e Antonio Aquino Lopes (Acre). Na segunda eleição, a que vai definir o presidente da CBF entre 2023 e 2027, qualquer um pode ser candidato, desde que inscreva sua chapa com o apoio formal de oito federações estaduais e cinco clubes da primeira divisão.
Da esquerda para a direita: Gustavo Feijó, Ednaldo Rodrigues e Marcus Vicente, dirigentes da CBF — Foto: Thais Magalhães/CBF
Del Nero ainda influente
Em qualquer cenário será preciso levar em conta a influência de Marco Polo Del Nero, ex-presidente da CBF e banido pela Fifa de todas as atividades relacionadas a futebol até dezembro de 2037. Ao longo do ano, Del Nero foi acusado por Caboclo de comandar um complô para tirá-lo da presidência – ataques que Del Nero também respondeu de maneira agressiva contra o ex-pupilo.
Mesmo banido, o ex-presidente da CBF permanece poderoso nos bastidores. Antes do rompimento público, Caboclo o chamava de “presi”. Nos últimos meses, a cobertura de Del Nero na Barra da Tijuca serviu de ponto de encontro de diretores e vices da CBF. Lá, o cartola definia estratégias para seu grupo político manter o poder na confederação.
No mês passado, Del Nero foi diagnosticado com leucemia e teve que se afastar da política da CBF. Com 80 anos, ele deve fazer um tratamento até o próximo ano em São Paulo. Mesmo assim, o ex-presidente fez questão de mostrar o seu poder em duas mensagens enviadas aos integrantes do seu grupo político.
Rogério Caboclo e Marco Polo del Nero, em foto de 2019 — Foto: Lucas Figueiredo/CBF
Na primeira, ele anunciou o seu afastamento por causa do diagnóstico e mandou um recado. No texto, o cartola avisou aos “amigos e irmãos de fé e lutas em favor dos nossos objetivos” que estava “esperançoso com a cura” e “apto a exercer minhas funções à distância”. Na segunda mensagem, enviada na semana passada, Del Nero compartilhou com os amigos “o sucesso do tratamento” e disse que será “obrigado a encarar um longo tratamento de quatro meses”.
A saída de cena do cartola mexe no xadrez eleitoral da CBF. Dois vices assumem publicamente a candidatura para terminar o mandato de Caboclo: Gustavo Feijó e Ednaldo Rodrigues.
Ex-prefeito de Boca da Mata, em Alagoas, Feijó não esconde que será candidato na eleição e quer o apoio de Del Nero. Já Rodrigues, presidente interino da entidade, ensaia um discurso de tom mais independente. Ao assumir em agosto, Ednaldo disse que sua missão seria “pacificar” a CBF.
Presidente da CBF por mais de duas décadas, Ricardo Teixeira também tenta se mostrar como alguém influente nesse jogo. Dez anos depois de ter renunciado aos cargos que ocupava por causa de denúncias de corrupção (acusações que ele nega), Teixeira passou a se encontrar com presidentes de federações e vices nos últimos meses
Ano conturbado
Ao longo de 2021, a CBF passou por diversas crises. Em 4 de junho, o ge revelou uma denúncia de assédio sexual e assédio moral feita por uma funcionária contra o presidente Rogério Caboclo. O cartola foi afastado do cargo dois dias depois. Em 29 de setembro, a Assembleia Geral aprovou uma punição de 21 meses contra o dirigente.
Nos meses seguintes, outros dois casos de assédio sexual e um de assédio moral foram reveladas pelo ge. Em janeiro, a Assembleia Geral da CBF se reúne para votar uma nova punição, de 20 meses, pela denúncia de assédio moral. Se a punição for confirmada, uma nova eleição deve ser convocada. Rogério Caboclo nega as acusações e recorre das decisões.
No dia 15 de junho, com a entidade fragilizada politicamente, presidentes de clubes da Série A marcharam até a sede da CBF e anunciaram a criação de uma Liga para organizar o Campeonato Brasileiro. A ideia arrefeceu nos meses seguintes por causa dos diversos desentendimentos entre dirigentes de clubes. Mas o episódio gerou a demissão de Walter Feldman do cargo de secretário-geral da CBF, que ele ocupou por seis anos.
Em 26 de julho, em meio à crise gerada pelas denúncias contra Caboclo, a Justiça decretou uma intervenção na CBF. Tudo começou com uma ação do Ministério Público do Rio de Janeiro que contestava as regras eleitorais da entidade. Segundo o MP, a eleição de Rogério Caboclo (ocorrida em 2018) deveria ser anulada.
O juiz Mario Cunha Olinto Filho, da 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca, concordou com a tese do MP e designou dois nomes como interventores na CBF: o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, e o presidente da Federação Paulista de Futebol, Reinaldo Carneiro Bastos.
Os dois chegaram a ir pessoalmente até a sede da entidade, acompanhados de uma oficial de justiça, para começarem a atuar como interventores. Mas então foram informados de que o Tribunal de Justiça suspendeu a decisão da primeira instância. O caso continua correndo na Justiça. Nos capítulos mais recentes dessa história, o TJ voltou a nomear Landim e Carneiro Bastos como interventores, mas o presidente do STJ, Humberto Martins, suspendeu a decisão.
Ednaldo agrada a funcionários
A maneira como a CBF lidou com essa situação foi motivo de atrito. Enquanto alguns diretores e vice-presidentes defendiam que a entidade brigasse na Justiça (como acabou acontecendo), Rodrigues preferia tentar um acordo. O presidente interino se aconselhou com um advogado de sua confiança, Gamil Foppel, o que também gerou ruídos. No fim das contas, a entidade foi ao STJ e conseguiu reverter a decisão, em movimento que teve participação decisiva de dois vices, Feijó e Castellar.
A estratégia de tentar negociar em vez de brigar na Justiça foi vista internamente como um sinal de que Ednaldo Rodrigues está sendo influenciado por Rubens Lopes, presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro, e Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol.
A relação entre Ednaldo Rodrigues e alguns diretores tem sido tensa e marcada por desconfianças de parte a parte. Entre as críticas, a de que o dirigente tem pouco conhecimento técnico em assuntos importantes, fazendo questionamentos rasos e meramente financeiros. Contra os diretores, pesa a desconfiança de que foram indicados por gestões anteriores, sob a tutela de Del Nero, de quem ainda sofrem influência política.
O único demitido por enquanto foi Leonardo Gaciba, que era presidente da Comissão de Arbitragem – acabou substituído por seu número 2, Alício Pena Júnior.
Ednaldo Rodrigues, presidente interino da CBF — Foto: Lucas Figueiredo/CBF
Se há ruídos com parte da diretoria, entre os funcionários da CBF a imagem de Ednaldo é a melhor possível. Em menos de quatro meses no cargo, o dirigente tomou decisões que foram bem recebidas no prédio da entidade. Em setembro, ele reconduziu a funcionária assediada sexualmente por Caboclo. Na época, Ednaldo fez um discurso se desculpando pelas atitudes do ex-presidente e encorajou outras funcionárias a denunciar novos casos de assédios cometidos por dirigentes da CBF.
Outra decisão foi pagar a todos os funcionários um benefício que antes era exclusividade dos diretores: um bônus no valor de três salários. Ou seja, cada funcionário da CBF terá 16 salários em 2021.
Ednaldo Rodrigues chegou à presidência da CBF como azarão. Ele foi o nome de consenso escolhido pelos vice-presidentes, descontentes com a curta gestão do Coronel Nunes (que durou pouco mais de dois meses). O baiano não era o preferido de Marco Polo Del Nero, que acabou aceitando a sugestão. Na época, Ednaldo disse que assumiria o cargo para “pacificar a CBF após a triste página escrita por Rogério Caboclo”.
Por Gabriela Moreira, Martín Fernandez e Sérgio Rangel — Rio de Janeiro
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