Paulo Sousa em jogo da seleção da Polônia pelas Eliminatórias da Copa

Paulo Sousa e o desafio rubro-negro de manter a sombra de Jesus fora do Ninho do Urubu

Por mais que se busque o mundo ideal, há momentos em que é preciso admitir que o mundo real existe. E saber conviver com ele é diferente de ceder a ele. Por mais que tenha conduzido sua busca por um novo treinador de forma a alimentar uma fantasia de que Jorge Jesus voltaria, neste momento há algo que o Flamengo não pode controlar: o rompimento do treinador com o Benfica multiplica a pressão sobre Paulo Sousa, o próximo treinador rubro-negro. Este é o tal mundo real.

Diante dele, de imediato surgiram as sugestões – e nenhuma delas parece ter encontrado eco na diretoria do Flamengo – de que o clube voltasse atrás, rompesse acordo com um técnico contratado e corresse atrás de Jesus. Mais do que uma demonstração de subserviência, seria ignorar os mínimos princípios de respeito à ética e a valores. É curioso como a visão passional do futebol tem o poder de naturalizar a ruptura de acordos, de compromissos. O Flamengo acerta ao, aparentemente, não estar disposto a fazê-lo. Ao não ceder ao mundo real.

Paulo Sousa em jogo da seleção da Polônia pelas Eliminatórias da Copa — Foto: AFP

Mas como conviver com ele? Desde que Jesus deixou o clube, fala-se na necessidade de sair da sombra do técnico multicampeão, de iniciar uma nova etapa em que treinadores não sejam medidos pela régua da temporada de 2019, pelo sarrafo altíssimo que o rendimento daquela campanha gerou. Talvez a oportunidade tenha chegado. O Flamengo demarcou um limite para negociar com seu ex-treinador, e em seguida escolheu Paulo Sousa, que havia impressionado bem os dirigentes. Agora, dar um contundente voto de confiança ao nome escolhido, respaldá-lo fortemente mesmo com Jesus teoricamente disponível, pode ajudar a passar a mensagem de que a página está sendo virada.

Não é simples, mas a sombra do campeão de 2019 precisa ficar da porta para fora do Ninho do Urubu, e não ser um elemento de pressão interna, capaz de moldar até a avaliação do trabalho do novo técnico. Não é missão fácil, mas o trabalho de Paulo Sousa deve ser medido de acordo com os princípios de jogo propostos pelo novo técnico, que são distintos dos aplicados por Jesus. O Flamengo se aproximou de um profissional que gosta de controlar jogos através da posse, busca protagonismo, elementos que não são estranhos para este elenco. No entanto, entende de forma distinta a ocupação dos espaços no campo, aplica conceitos do chamado Jogo de Posição, buscando vantagem através da distribuição racional dos jogadores por este espaço, por vezes com posses mais longas, uma progressão através da atração do rival até encontrar o jogador livre… Todos estes elementos exigem um certo tempo, mas a evolução do nível de jogo e a avaliação do trabalho de Paulo Sousa precisará ser feita a partir do que se busca como ideal no modelo proposto pelo novo técnico. E não à luz do que fazia Jesus.

Como bem explicou no Seleção Sportv o analista Rui Malheiro, que já trabalhou com Paulo Sousa, este último busca “uma construção mais paciente”, enquanto o time de Jorge Jesus tem uma tendência a ser mais vertical, com um ataque mais móvel.

O fato de Jesus e o Benfica romperem a relação no mesmo dia em que Cuca oficializa sua saída do Atlético-MG criam a natural especulação de que a Cidade do Galo possa ser o novo destino do ex-técnico rubro-negro. E tê-lo como um antagonista na forte rivalidade estabelecida no futebol brasileiro imporia desafios, mas também recompensas possíveis para o Flamengo: não é difícil imaginar o quanto Jesus seria capaz de elevar o nível de jogo do já fortíssimo Atlético-MG, ao mesmo tempo em que o cordão umbilical entre ele e o rubro-negro estaria definitivamente rompido.

Por Carlos Eduardo Mansur

Ge.globo.com