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F1 2023: Lewis chegou ao Autódromo de Interlagos com agasalho da seleção brasileira de 1994
“Não está à venda, mas empresto”: a história do agasalho do tetra que Lewis Hamilton usou no Brasil
Piloto inglês vestiu roupa de membro da comissão técnica na Copa de 94 em entrada no paddock de Interlagos; dentre as ideias de look tinha camisa de Dener, morto em acidente: “Sem chance”
Um assessor entrou no elevador espelhado do Edifício United Work, número 157, trocando as pernas depois de enfrentar três horas de trânsito entre o Autódromo de Interlagos e a Barra Funda. Carregava apenas o Iphone e três baterias externas quando abriu a porta do escritório de Cássio Brandão, na empresa Alambrado.
– Preciso usar o banheiro. Você pode carregar isso para mim? – perguntou o assessor, estendendo a mão com uma das baterias, enquanto segurava a outra colada no celular.
Foi assim, entre as quatro paredes de uma sala, com gramado sintético e envolta por seis mil camisas de futebol, que começou a co-criação de uma imagem marcante: o primeiro look de Lewis Hamilton no GP de São Paulo 2023, realizado no último dia 5 de novembro (veja aqui como foi a corrida).
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Hamilton desenvolveu a própria identidade como ícone da moda, marcado por looks inovadores e criativos, e transformou a entrada na área do paddock em um evento à parte, cercado de expectativa. O que Lewis vestirá hoje?
F1 2023: Lewis Hamilton chegou ao Autódromo de Interlagos com agasalho da seleção brasileira de 1994 — Foto: Kym Illman/Getty Images
Em Interlagos, o agasalho da CBF desfilado por Hamilton foi usado por um membro da comissão técnica do Brasil – não é possível precisar quem – na Copa de 1994. Era o ano do tetra e da homenagem da seleção à Ayrton Senna, ídolo do piloto inglês. Não havia mistura melhor.
A proposta inicial, contudo, era outra. Foram cinco até o desfecho.
Kit entregue pela equipe de Lewis Hamilton, com boné autografado e dois ingressos para a F1 — Foto: Arquivo Pessoal
Responsável pelo primeiro plano, Cássio Brandão fundou a empresa Alambrado em 2018 no intuito de organizar o mercado de colecionadores, com uma rede de 65 pessoas e um acervo pessoal de seis mil peças à venda. A ideia, no entanto, era furar a bolha. Foi assim que o empresário contatou a equipe de Hamilton com uma proposta: “O Sir vestindo o Rei”.Eu queria reforçar a mensagem dele através de uma camisa de futebol. Seria uma camisa vestida por Pelé em Brasil 2 x 0 Bulgária, na Copa de 1966.— explica Cássio.
Camisa de colecionador usada por Pelé na Copa de 1966, avaliada em 50 a 60 mil euros — Foto: Arquivo Pessoal
Foi por essa camisa que um dos assessores de Hamilton atravessou a cidade de São Paulo no dia 1º de novembro. É ele quem cuida de detalhes que envolvem Lewis, trabalhando ao lado de outro assessor (responsável pela agenda) e da equipe de validação, um comitê multidisciplinar, com advogado e publicitário, para validar as ideias oferecidas a Hamilton.Hamilton sempre consulta esse time para entender riscos e possibilidades.— diz o empresário.
Perguntado sobre corridas sprint na F1, Lewis Hamilton sugeriu grid reverso — Foto: Clive Mason/Getty Images
A ideia, inclusive, era que Lewis comprasse a camisa, avaliada em 60 mil euros, mas a narrativa do “Sir vestindo o Rei” não agradou a equipe. Poderia soar “pedante”, descreve Cássio, ou como se Hamilton estivesse tentando se apropriar da imagem de Pelé, como se fosse igual ou maior que o Rei.
Plano descartado. Partiram para a segunda opção.
O assessor não tinha computador em mãos e trabalhava somente pelo celular. Comendo pão de queijo e ovinhos de amendoim, compartilhava narrativas e fotos com Hamilton e a equipe por mensagens no iMessage. Nada de WhatsApp.
Pelé durante a Copa de 1966 vestindo a camisa citada por Cássio Brandão — Foto: Reprodução
Sem Pelé, Cássio apressou-se para mostrar camisas usadas pela seleção brasileira, como uma de Richarlison, da Copa do Catar. Nada feito. A equipe do piloto não concordou em vesti-lo com uma camisa do Brasil, por conta do momento político do país.
Sem Brasil, o empresário, como torcedor do Corinthians e pensando na condição de Lewis enquanto ícone fashion, sugeriu uma camisa “coloridaça” do ex-goleiro Ronaldo Giovanelli, usada entre 1992 e 1993.
– A equipe de validação disse: “A gente não gosta da associação com um clube. Qual o rival?” Peguei uma camisa do Sérgio no Palmeiras, e a ideia era que ele saísse dos boxes com uma, entrar e sair com outra. A equipe falou: “Não estamos seguros” – contou Cássio, sobre mais um plano descartado.
Camisas do Corinthians, Portuguesa e Palmeiras sugeridas a Lewis Hamilton para GP de São Paulo — Foto: Camila Alves
E naquela que seria sua quarta e última tentativa, o empresário arriscou: uma camisa de Dener na Portuguesa, por ser uma equipe sem resistência em São Paulo e um atleta vindo da periferia. Mostrou vídeos, o assessor compartilhou com Hamilton, a equipe aprovou e assim Cássio começou a dobrar a camisa – para embalar e vendê-la.
– Espera… O Dener morreu em um acidente automobilístico? – perguntou o assessor.
– Foi – respondeu Cássio.
– No way (sem chance, em inglês) – concluiu o assessor, pondo fim à proposta enquanto ambos viam a cidade escurecer ao redor do escritório.
Dener jogando pela Portuguesa em 1992 — Foto: Djalma Vassao/Agência Estado
Nesse momento, Cássio voltou às araras da seleção brasileira para tentar novamente as camisas amarela e azul de 1994, quando o assessor – com o olhar atento – avistou o agasalho da CBF pendurado entre o mar de uniformes.
– O que é isso? – perguntou o assessor.
– É um agasalho que foi usado pela comissão técnica do Brasil em 1994 – respondeu Cássio, que admite nunca ter pensado na possibilidade de um agasalho.
Mediu-se o comprimento das mangas e enviaram as fotos para Hamilton, no que parecia o desfecho da história após três horas de co-criação no escritório. O relógio, contudo, marcou 21h.
– Perdemos o Hamilton – disse o assessor.
O motivo? Há um acordo da equipe com o piloto para não interrompê-lo em dois momentos sagrados: o jantar e as conversas com os engenheiros. O assessor tinha um café da manhã com Lewis marcado para o dia seguinte e comprometeu-se a contar tudo, mostrando a proposta em busca de uma decisão final. E assim deixou o escritório na Barra Funda.
Hamilton ainda comprou duas camisas da seleção brasileira de 1994 — Foto: Camila Alves
Cássio, sem tempo a perder, ligou para Lucas – funcionário e braço direito na Alambrado – e os dois chegaram ao escritório às 5h da quinta-feira, feriado do dia 2 de novembro, para fazer fotos e montar uma apresentação em PDF, no tamanho da tela do celular, enviada ao assessor às 8h30, com o café da manhã marcado para às 9h.
Às 12h, próximo ao almoço, Cássio recebe uma ligação.
– Hamilton adorou. Queremos comprar o agasalho. Quanto custa? – perguntou o assessor.
Cássio travou.
– Se eu falasse 10 mil dólares ele ia comprar, só que ia ser mais um item que ele iria comprar e eu não ia conseguir contar a história. Então eu falei: cara, esse não está à venda, é da minha coleção pessoal. Eu posso emprestar – confessou.
O assessor, pela mudança de planos, desligou para retornar em alguns minutos.
– Ok, podemos seguir. Consegue me entregar no (Palácio) Tangará hoje? – perguntou.
Agasalho da CBF e boné autografado por Lewis Hamilton — Foto: Camila Alves
E assim foi. Cássio e Lucas organizaram o agasalho com a calça, montaram uma caixa preta e escreveram uma carta à mão contando a história e agradecendo Hamilton pela escolha. Entregaram tudo na recepção do hotel às 20h da quinta-feira.
Carta escrita pela equipe da Alambrado para Hamilton — Foto: Acervo Pessoal
Na manhã da sexta, primeiro dia de entrada no paddock de Interlagos, chega uma foto e a mensagem do assessor:
– Britânico de nascimento, brasileiro de coração.
Foram mapeados mais de 200 sites, perfis e veículos nacionais, mais de 100 internacionais com as imagens de Lewis Hamilton vestindo o agasalho da CBF. A Portuguesa os procurou para mandar uniformes, a Umbro para entregar a camisa do Fluminense em homenagem a Cartola, e no dia seguinte o agasalho foi devolvido. Na caixa, um boné autografado e dois ingressos para o paddock.
– O agasalho está aqui. Acho que não lavaram, e eu nunca vou lavar.
Por Camila Alves — São Paulo
Ge.globo.com