Esporte
Abel Ferreira conversa com o elenco do Palmeiras durante treino na Academia de Futebol
Do “fico” à final do Mundial: como Abel se colocou na discussão de maior da história do Palmeiras
Em sua sétima final pelo Verdão, técnico português pode levantar quarta taça
– Eu tenho contrato, calma!
A frase de Abel Ferreira dita a palmeirenses em uma festa na semana seguinte ao seu segundo título da Libertadores, no dia 2 de dezembro, foi a primeira manifestação pública do técnico de que, apesar de antes dizer que estava em seu limite físico e mental, iria continuar no Verdão.
Duas semanas depois, a presidente Leila Pereira anunciou que o técnico recebera um aumento e estava garantido para 2022. Foi o início, então, da preparação para o grande sonho alviverde na temporada: a disputa do Mundial de Clubes.
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Abel Ferreira, técnico do Palmeiras — Foto: Cesar Greco
A 90 minutos do título mundial, o Verdão chega para a final contra o Chelsea, neste sábado, às 13h30 (de Brasília), em Abu Dhabi, com uma equipe que inegavelmente é a cara do português, que disputa sua sétima final em pouco mais de um ano no Brasil e busca o quarto título.
Bicampeão da Libertadores e vencedor da Copa do Brasil, Abel já é tratado como um dos maiores técnicos da história do Palmeiras, mesmo que a passagem não seja tão longa. O título mundial, porém, dará argumentos para que ele já seja colocado até como o maior.
E o gelista abaixo como foi o processo para que o português chegasse neste patamar com o Verdão.
Abel Ferreira ouve gritos de “fica” em festa do Palmeiras e diz: “Eu tenho contrato”
Relatório e necessidade de renovação
Mesmo antes de decidir seu futuro, Abel Ferreira já tinha confeccionado um relatório escrito a ser entregue para Leila Pereira, fazendo um balanço da temporada de 2021 e o que precisaria ser feito para 2022. Algo era claro: a necessidade de oxigenar o elenco.
Jogadores de mais idade como Jailson (goleiro), Felipe Melo e Luiz Adriano deixaram o clube, e vieram atletas mais novos, que aumentaram a competitividade interna. Atuesta e Jailson (volante), por exemplo, agradaram no campo e na postura, a ponto de tirarem Gabriel Menino e Patrick de Paula da lista de inscritos do Mundial.
O centroavante tão sonhado por Abel e a torcida não chegou apesar das tentativas, como Lucas Alario. Não foi como o português planejou, mas desta vez ele preferiu não reclamar, e sim valorizar o grupo que levaria para Abu Dhabi.O meu papel aqui no clube é desenvolver nossos jogadores, ajudá-los a serem melhores. O importante é trabalhar com os recursos que tenho, estes são os meus jogadores, os que tem nos dado alegrias. São os que eu conto, os que vieram sabem que o elenco é muito competitivo. Nossa identidade e filosofia é de que a estrela é a equipe— Abel Ferreira, após a estreia no Paulistão
Abel Ferreira conversa com o elenco do Palmeiras durante treino na Academia de Futebol — Foto: Cesar Greco
“Controlar o que temos de fazer”
Abel não tem perfil de paizão, amigo dos jogadores. Ele entende que é necessário um certo distanciamento, até nos treinos, pois o atleta ouvir os berros do técnico ao longo da semana acaba desgastando a relação. Por isso ele deixa parte do trabalho a cargo de seus auxiliares, exceto a atividade tática, esta liderada pelo treinador.
Com mais de um ano de trabalho, o repertório tático da equipe consequentemente cresceu, mas ele próprio admite que suas ordens de posicionamento e estratégia fazem parte de apenas 30% do necessário para se vencer. Os outros 70% são da postura e espírito dos jogadores.
Para criar uma equipe elogiada pelo desempenho maduro em campo, o técnico reforça um mantra: esqueça o que acontece fora do Palmeiras, você só controla o que você tem que fazer. Cuide da sua tarefa em campo.
Isto se aproxima de um clichê, mas serviu para moldar o espírito competitivo deste grupo. Ouvir que é azarão em um jogo decisivo ou declarações polêmicas de adversários acabam virando um combustível naturalmente, mas Abel não quer ver o time abalado pelo externo. Em campo, é “cabeça fria e coração quente”, como gosta de dizer.Nosso time tem coisas inegociáveis: a competitividade dentro do jogo, o quanto a gente divide. Não dá para negociar no nosso time na parte de intensidade, o quanto a gente coloca num jogo seja pra atacar ou para defender. E a parte tática, que o Abel tem passado muito bem— Raphael Veiga
Deyverson comemora gol com Abel Ferreira — Foto: REUTERS/Andres Cuenca Olaondo
A fé é maior que qualquer adversário
Abel definiu o encontro com o Chelsea como o embate entre Davi e Golias para exemplificar o quão favorito é o time inglês na final. Isto não significa que ele não veja chances de ser campeão.
Em mais um discurso que apelou para o emocional, o treinador tem sido até repetitivo nas suas entrevistas e vem citando que a fé é maior do que qualquer adversário. Ele pediu para que a torcida e os próprios jogadores acreditem ser possível vencer a decisão, mesmo com a atual disparidade financeira entre o futebol brasileiro e o europeu.Temos um propósito claro: ganhar. Não sei se vamos, mas viemos com esta intenção disputar mais uma vez o Mundial. No futebol nunca há certezas absolutas, entendo as opiniões que colocam um vencedor antes do jogo, mas futebol não é uma ciência exata. Antes de partir para o Mundial eu disse: para mim, no futebol e na vida, quando acreditas e tens fé, tudo é possível— Abel Ferreira, após a vitória sobre o Al Ahly, na semifinal
A música que não era para vazar
Quando Abel fala que o Palmeiras é um estilo de vida, ele em seguida cita o sentimento de família que há na Academia de Futebol. E foi por isso que decidiu criar um vídeo com uma música motivacional, que a princípio serviria só para consumo interno, para mostrar aos jogadores que eles estavam indo aos Emirados Árabes graças ao trabalho de todos os funcionários do CT.00:00/00:00
Veja o clipe dos funcionários do Palmeiras que vazou nas redes sociais
A partir do momento que um dirigente publicou nas redes sociais, o vídeo viralizou rapidamente, com muitos ironizando a canção, com melodia de Simoninha. Mas para Abel, a apresentação é motivo de orgulho.
Em grandes eventos é comum o treinador buscar um tom emotivo para preparar seus atletas. Neste Mundial foi a música, mas nas Libertadores cada final teve um “tema”; contra o Santos, os jogadores receberam a mensagem junto da foto de familiares: “sabe o que nos trouxe até aqui? É o que nos fará levantar a taça! O sonho é agora”. Para o jogo contra o Flamengo, a frase era “vamos proteger o que é nosso”.
Abel Ferreira, do Palmeiras, com a taça da Libertadores — Foto: Divulgação/Conmebol
A experiência com vitórias (e derrotas)
Falar que o Palmeiras chegou a este Mundial mais amadurecido apenas por conta do bicampeonato da Libertadores e do título da Copa do Brasil é uma meia-verdade para Abel Ferreira.
Sempre que possível, ele cita como o time aprendeu, também, com as derrotas, já que neste ano à frente do clube houve decepções doídas, como na Recopa Sul-Americana, contra o Defensa y Justicia, no próprio Mundial do ano passado em que terminou em quarto lugar sem fazer gols, e a eliminação precoce para o CRB na última Copa do Brasil.
O que se viu a partir do bi da Libertadores foi um alto nível de confiança e segurança dos jogadores. Raphael Veiga se firmou como um dos principais jogadores do Brasil, o criticado Luan tornou-se um dos destaques da equipe, e mesmo nomes que convivem com cornetas viraram parte importante neste time “cascudo” do Verdão, como Marcos Rocha e Zé Rafael.
Se o time que enfrentará o Chelsea é muito parecido com o que jogou a final contra o Flamengo em Montevidéu, é certo que entrará em campo no sábado uma equipe que sabe competir em jogos grandes. E que está preparada para lidar com as “borboletas na barriga” que até Abel diz ter.
O próprio treinador é exemplo deste acúmulo de experiência. Abel saiu do Mundial no Catar dizendo que era tudo muito novo para ele, um treinador de 43 anos de idade e que vinha apenas de trabalhos modestos no Braga, de Portugal, e PAOK, da Grécia.
Um ano depois, ele volta com um time melhor preparado e, depois de turbulências no ano passado, consolidado na história. A depender de sábado, tem a chance de definir a discussão de maior da história em uma lista que conta com ídolos como Luxemburgo e Felipão. Não é pouco.
Por Felipe Zito e Thiago Ferri — Abu Dhabi, Emirados Árabes, e São Paulo
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