Esporte
China 2021, Formiga vai para sua sétima Olimpíada
No último ato, Formiga quer representar as pioneiras do Brasil: ”As que foram proibidas de jogar”
Jogadora chega a sua sétima Olimpíada e estreia diante da China na quarta-feira, às 5h (de Brasília). Aos 43 anos, ela relembra a trajetória desde os Jogos de 1996 e enfim se permite emocionar
Sissi, Pretinha, Kátia Cilene, Elane, Fanta, Nenê, Tânia Maranhão, Marisa, Roseli, Cenira, Marcia Tafarel, Michael Jackson, Cebola, Pelezinha, Meg. Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, Formiga jogará por essas e tantas pioneiras do futebol feminino do Brasil – a estreia é diante da China na próxima quarta, 5h (de Brasília), com transmissão de TV Globo, SporTV e ge.globo.
Aos 43 anos, a camisa 8 chega ao recorde na sétima Olimpíada lembrando de todas que vieram antes. E no caso dela, que estiveram ao seu lado. No Japão, ela enfim aceita também ser um símbolo dessa resistência, das mulheres que queriam jogar bola. E agradece a todas aquelas que não desistiram e não puderam viver dias melhores.
– É para representar todas aquelas que foram proibidas naquela época. Não pode ser em vão os esforços delas. Temos que dar continuidade. Eu fico feliz de poder falar: obrigada meninas, por suportarem tudo. Por darem oportunidade de tantas jogarem futebol. Estou aqui representando vocês.
Formiga chega em Tóquio grata. Diz que ganhou tudo que tem através do futebol. Só que ela e toda uma geração não tiveram nada de mão beijada. E nem sempre isso é lembrado de forma justa. Além de não ter a base de formação para o futebol quando começou, ela lidou com o que se tinha de mais arcaico na modalidade. E não é só sobre a falta de estrutura. E sim, a falta de respeito.
– A gente não tinha nada. Ainda éramos proibidas de usar a academia. Só o masculino tinha esse direito. Lembro que foi em 2004 que o Renê brigou por isso – diz ela, lembrando do treinador Renê Simões, que dirigiu a seleção feminina na conquista da primeira prata olímpica da modalidade, nos Jogos de Atenas.
O episódio da academia é marcante. Bem como as imagens das próprias atletas cozinhando a própria refeição e lavando as blusas, para devolver, em plena Copa do Mundo. Pode parecer um detalhe. Mas a questão da roupa é uma memória forte na jornada da geração que Formiga ainda representa atualmente. Mulheres que bem antes de Marta e Cristiane iniciaram a história da seleção brasileira. Por anos mais comedida quando se tratava da própria emoção, agora Formiga chega em Tóquio na sua versão mais emotiva. E já não contém as lágrimas como costumava a fazer.
– É a última oportunidade de ganhar esse ouro para o Brasil. Ainda tem quem diga que precisamos do ouro para reivindicar as coisas. Ouvimos por muito tempo que não ganhamos nada e não tínhamos direito de pedir. Mesmo com duas medalhas de prata – disse ao ge, sob forte emoção.
A vivência traz a experiência. A capacidade de saber o que vai enfrentar. A experiência também deixa aquelas cicatrizes do que já se viveu. Essas marcas na Formiga são quase imperceptíveis aos olhos. Com um preparo físico invejável aos 43 anos e perto da estreia em sua sétima e última Olimpíada, Formiga traz consigo a versão calejada de mais de duas décadas na seleção. Tem ainda mesmo otimismo que fez a jovem Miraildes, lá de 1996, não desistir.
– Eu estou mais madura. Eu era muito mais brigona. Mas antigamente ”pra tirar pele da costela de vaca, só com pinça”. A gente tinha até que esperar roupa do masculino para poder jogar. E ainda era quase uma camisa de basquete – lembra.
Duas medalhas de prata. Sem quase nada de apoio. Um grande feito, só que nem sempre reconhecido. Uma foi em Atenas 2004 e outra em Pequim 2008. Entre os dois Jogos Olímpicos, ainda houve um vice-campeonato mundial. Uma geração que desbravou muito sem ter tanto. Que abriu caminhos para que uma nova leva chegue com uma trilha um pouco mais fácil para o sucesso.
E depois?
Formiga não despede do futebol como um todo após os Jogos Olímpicos. Após Tóquio, ela volta ao futebol brasileiro e jogará pelo São Paulo. Mas sabe que o adeus de forma definitiva não está tão distante. E também não se enxerga longe dos gramados. Ao que tudo indica, o futebol brasileiro terá uma versão nova da Formiga ainda ativa no futebol, só que fora dos gramados.
– Eu estou com a ideia de fazer cursos da CBF. Eu sei que não dá para ficar fora desse esporte. A minha vida toda pratiquei isso. Acho que vou ficar meio louca, surtar, minha esposa não vai me suportar e minha mãe vai me mandar embora (risos).
Por Amanda Kestelman — Sendai, Japão
Ge.globo.com