Esporte
Com a camisa 20, Firmino comemora um dos dois gols que marcou contra a Bolívia
Por que o número 20 Roberto Firmino se transformou no camisa 9 como a Seleção nunca viu
Até a mulher Larissa considera difícil de entender o jeitão sorridente, quieto e avesso às câmeras do atacante. Do Trapiche, em Maceió, para Liverpool, conheça o jogador alagoano que conquistou a Europa antes do Brasil
Roberto Firmino, provavelmente, nunca vai dizer que é “o cara”. Difícil de imaginar também ele com o dedo indicador na boca, pedindo silêncio para a torcida rival. Ou chamando a responsabilidade, em entrevista, antes de jogo decisivo. Fazendo pose de bad boy depois do gol?
Como dizem os boleiros, esquece.
Com a camisa 20, Firmino comemora um dos dois gols que marcou contra a Bolívia — Foto: Lucas Figueiredo / CBF
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O camisa 20 da seleção brasileira masculina de futebol é peça rara no futebol nacional. Acanhado, sorridente, pacato. É a descrição mais comum sobre Roberto Firmino, de 29 anos. Longe da marra que muitas vezes virou marca e folclore entre os grandes nomes da artilharia brasileira.
A mulher de Firmino, Larissa Pereira, contou um pouco sobre essa impressão que se tem do jogador da Seleção de Tite, o 9 de Jurgen Klopp no Liverpool, que cresce aos olhos do público brasileiro – contra a Bolívia, marcou duas vezes. Chegou a 15 gols em 45 jogos, com apenas 26 como titular.
O Brasil de Firmino enfrenta o Peru nesta noite, às 21h (horário de Brasília), no estádio Nacional, pela segunda rodada das Eliminatórias. Na estreia, venceu a Bolívia por 5 a 0. Firmino fez dois
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De aparelho nos dentes, Roberto Firmino corre para comemorar gol pelo Figueirense — Foto: Cristiano Andujar/Arquivo Figueirense
– O jeito do Roberto é bem difícil de entender, para falar a verdade, porque ele é muito sorridente e, ao mesmo tempo, muito quieto. É difícil imaginar alguém assim – contou a esposa de Firmino.
O casal tem duas filhas. Nascido em Maceió, Firmino morou no Trapiche, bairro humilde da capital alagoana, bem próximo do estádio Rei Pelé. Na série do “Jornal Nacional” sobre os convocados para a Copa de 2018, ele se soltou mais do que o de hábito, tocou instrumentos e apresentou os pais – José de Oliveira e Mariana Cícera – para todo o Brasil. Nas férias, também já apareceu cantando e até, quem diria, à vontade com microfone nas mãos.
– Ele é uma pessoa que contagia a todos com sua alegria e tem um coração que quase não cabe dentro de si de tão grande. Nossa vida mudou muito de uns anos para cá. Achamos nosso lugar em Cristo e, a partir disso, prioridades foram sendo impostas. Hoje, muito além de um jogador, Roberto é um exemplo para nossa família. Por trás daquele sorriso brilhante e da timidez na frente das câmeras, existe um ser humano incrível. Sorte de quem pode conhecê-lo melhor – conta Larissa.
“Que mantenha fixação por buscar artilharia”
O escritor gaúcho Luis Fernando Veríssimo, um notório e autointitulado tímido, já escreveu o seguinte: a timidez, no fundo, é uma forma extrema de vaidade. “Pois é a certeza de que, onde o tímido estiver, ele é o centro das atenções”, disse Veríssimo.
A vaidade de Firmino fica evidente nos dentes claros, brilhantes, como lembrou a mulher, e na moda das roupas que gosta – embora o goleiro Wilson, hoje no Coritiba, que viu Firmino começar no Figueirense, brinque que quando a conta bancária era menos recheada era só chinelo de dedo e camiseta.
Sorridente, Firmino ouve as instruções de Tite num treino recente da seleção brasileira — Foto: Pedro Martins / MoWA Press
Em campo, para Cleber Xavier, auxiliar técnico de Tite, Firmino é também a expressão da solidariedade. A comissão busca novo posicionamento para o atacante, que era meia na base. Para Tite, um camisa 9 com jeito de 10. A Seleção quer vê-lo um pouco mais fominha, mais sedento por gol.
– Firmino é uma figura do bem, uma figura engraçada. Ele não é de falar muito, mas ele contagia. O sentimento que os outros atletas e a comissão têm por ele é nesse sentido. Assim como ele é solidário fora ele é também dentro de campo, na perda da bola, na recuperação imediata. Agora está fazendo função diferente do que fez com a gente na Copa América, do que faz no Liverpool. Está mais perto do gol, trabalhando mais perto da finalização. A gente espera que ele mantenha essa fixação por buscar artilharia – contou Cleber Xavier.
Fabinho comemora conquista da Europa pelo Liverpool ao lado de Firmino e Alisson — Foto: Phil Noble/Reuters
– Com a gente é um cara que conversa, brinca. E dentro de campo não é nada tímido. Ele mostra todo o seu repertório – comenta Everton Ribeiro, que sofreu com o gol de Firmino na final do Mundial do Catar no fim de 2019.
Preso no aeroporto em Madri
Firmino saiu cedo de casa para morar no alojamento localizado abaixo da arquibancada do estádio Orlando Scarpelli, do Figueirense. Algumas histórias são famosas, como aquela em que ele pedia aos colegas de time para chamar a vendedora no shopping e provar bermuda na loja. Ou os dias em que foi chamado de Alberto pelo técnico então técnico do juvenil Hemerson Maria. Num dia, o atual técnico do GE Brasil (RS) descobriu que o garoto se chamava Roberto, mas atendia ainda assim.
– Aí perguntei e ele me respondeu: “É Roberto, professor”, disse com aquele sotaque. E ficou rindo. Ele só ria – lembrou Hemeerson.
– Lembro da primeira coletiva dele. Não sabia falar direito, estava todo sem graça, gaguejando. Era só “sim”, “não”, “ahã” – diverte-se ao lembrar o goleiro Wilson.
O pai de Firmino é José de Oliveira, ex-vendedor ambulante nas ruas do Trapiche, com a camisa do Liverpool — Foto: Reprodução Jornal Nacional
Apesar de toda a ascensão na carreira – são 501 jogos como profissional, mas o início foi no CRB de Alagoas e na base do Figueirense, de onde foi para ótima passagem pelo Hoffenhein até chegar ao Liverpool, ser campeão da Europa e do Mundo -, as entrevistas ainda são uma barreira.
É comum vê-lo passar com sorriso largo e apenas cumprimentando jornalistas na zona mista – setor de entrevistas na saída dos atletas do estádio. O jornalista Fred Caldeira, do Esporte Interativo, há quatro anos na Inglaterra, reparou mudança no jeitão Firmino.
– Ouço que ele até é um cara razoavelmente extrovertido longe com os companheiros. O que de fato aperta esse gatilho é quando tem câmera ligada. No início era razoavelmente comum que ele se perdesse no raciocínio durante uma mesma resposta.
– Ele perdia uma palavra e ficava ainda mais nervoso, mais tímido. Mas essa timidez jamais foi confundida com alguém que não quer falar, alguém que tem postura grosseira. Mas hoje já sinto ele mais relaxado, sem nenhuma dúvida – comentou o jornalista brasileiro.
Um episódio que ficou marcado na carreira do jogador se passou em Madri em 2008. Atual diretor de futebol de base do Internacional, Erasmo Damiani, ex-CBF, falou com Firmino em situação delicada. Ele estava em conexão a caminho de Marselha para teste no Olympique, mas foi retido por conta de restrições a viajantes brasileiros naquela época.
– Ele estava desesperado, chorando. Estavam dizendo que iam deportá-lo. Pedi para ele ter calma que a gente ia resolver – lembra Damiani. – Mas dentro de campo sempre foi assim. Parecia um veterano.
– A gente achou que isso podia causar frustração a ele. Conversamos, mas ele só ria – contou Hemerson. – Aí pegaram no pé dele, falavam “E aí, Roberto, mal fala português, como foi lá em Madri?” Mas ele não se abate com nada. Um poder de resiliência impressionante.
Os 501 jogos da carreira
A partida contra o Peru será a de número 502 da carreira profissional de Firmino. A assessoria do jogador do Liverpool fez levantamento completo da carreira do número 20 da Seleção.
FIGUEIRENSE (54 jogos / 13 gols)
- Brasileiro Série B – 38 jogos / 8 gols
- Campeonato Catarinense – 14 jogos / 4 gols
- Copa Santa Catarina – 2 jogos / 1 gol
HOFFENHEIM (153 jogos / 49 gols)
- Bundesliga – 142 jogos / 40 gols
- Copa da Alemanha – 11 jogos / 9 gols
LIVERPOOL (249 jogos / 78 gols)
- Premier League – 179 jogos / 57 gols
- Liga dos Campeões – 35 jogos / 16 gols
- Liga Europa – 13 jogos / 1 gol
- Copa da Inglaterra – 7 jogos / 1 gol
- Copa da Liga Inglesa – 5 jogos / 1 gol
- Capital One Cup – 5 jogos
- Supercopa da Inglaterra – 2 jogos
- Mundial de Clubes – 2 jogos / 2 gols
- Supercopa da UEFA – 1 jogo
SELEÇÃO (45 jogos / 15 gols)
- Amistosos – 23 jogos / 8 gols
- Copa América – 10 jogos / 3 gols
- Eliminatórias – 7 jogos / 3 gols
- Copa do Mundo – 4 jogos / 1 gol
- Superclássico das Américas – 1 jogo
- TOTAL: 501 jogos / 155 gols
Por Raphael Zarko — Rio de Janeiro / Globoesporte.globo.com