Saúde
Modo da compra interfere no valor do produto, diz Idec
Descontos das farmácias atrelados ao CPF são questionados pelo Idec
Instituto de Defesa do Consumidor apura irregularidades em descontos de estabelecimentos e o risco de uso de dados
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) enviou à Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), à ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e à Defensoria Pública do Estado de São Paulo documento sobre as ações que investigam o uso de CPF de consumidores em farmácias.
Segundo o Idec, solicitar o CPF ou outros dados pessoais dos consumidores pode infringir tanto a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) quanto o CDC (Código de Defesa do Consumidor).
“Ao condicionar o oferecimento de desconto à coleta de um dado pessoal, há uma violação ao consentimento livre, expresso e informado da pessoa consumidora, que se sente pressionada a indicar seu dado para ter acesso ao medicamento. Além disso, falta transparência sobre o funcionamento de diferentes programas de desconto, a segurança dos dados pessoais do consumidor e o verdadeiro valor do medicamento”, afirma Marina Paullelli, advogada do Idec.
Segundo pesquisa do instituto, a forma como a compra é feita — pelo site, presencialmente ou com o fornecimento do número do CPF no cadastramento para ganhar um desconto — interfere no valor pago.
O levantamento constatou que, para os medicamentos de referência analisados na pesquisa, o desconto oferecido nas farmácias aos consumidores que fornecem o número de seu CPF é de cerca de 25%, em média R$ 82,91.
Dados pessoais
O advogado Alexander Coelho, especializado em direito digital, afirma que os resultados dos estudos realizados pela ANPD apontaram para práticas de tratamento de dados pessoais que ainda não estavam em completa conformidade com a legislação vigente.
“Uma das constatações preocupantes foi o tratamento de dados pessoais para finalidades diferentes daquelas indicadas aos titulares. Isso significa que as farmácias estavam utilizando os dados pessoais coletados para outros fins, sem o consentimento expresso dos titulares. Esse tipo de prática viola os princípios da finalidade e da adequação do tratamento de dados, previstos na Lei Geral de Proteção de Dados”, diz Coelho, que é membro da Comissão de Proteção de Dados da OAB-SP e sócio do escritório Godke Advogados.
Para Stefano Ribeiro Ferri, especialista em direito do consumidor e saúde, o ato de oferecer desconto mediante fornecimento de dados pessoais, como o CPF, é prática abusiva.
“A legislação dispõe que não pode ser imposta a divulgação de dados pessoais; contudo, no Brasil os consumidores são praticamente compelidos a fornecer as informações, pois, do contrário, pagarão mais caro para obtenção dos produtos”, avalia Ferri, que é também assessor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB-SP.
Ele explica que a falta de informações transparentes pode pôr o consumidor em risco, pela possibilidade de que seus dados pessoais sejam utilizados para finalidades diversas, que não foram expressamente autorizadas.
A título de exemplo, imaginemos uma situação hipotética em que as informações fornecidas pelo consumidor na farmácia sejam compartilhadas com empresas operadoras de planos de saúde, sem o seu consentimento, e então seu perfil de consumo seja analisado para fins de cancelamento do contrato, ou aumento do valor cobrado.
STEFANO RIBEIRO FERRI
Já a advogada Renata Abalém, diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte, adverte que os estabelecimentos utilizam a oferta de desconto como isca para a obtenção de dados dos consumidores.
“De posse dos dados, eles podem fazer diferenciação de clientela. Além de [a prática] ser abusiva, a captação, manuseio e armazenamento de dados do consumidor de qualquer forma, sem os critérios definidos em lei, podem ser ilícitos”, afirma Abalém, que também é diretora da Câmara de Comércio Brasil-Líbano e membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-SP.
Ao meu ver, trata-se de prática abusiva vincular desconto à contrapartida do consumidor. Veja que a contrapartida, em se tratando de dados, fica ainda mais preocupante depois do advento da Lei Geral de Proteção de Dados. Dados são o novo petróleo.
RENATA ABALÉM
Veja as orientações aos consumidores
• O consumidor pode exigir, uma vez que tem esse direito garantido pela LGPD, as informações sobre o compartilhamento de seus dados e com base nessas informações decidir se dará ou não o consentimento sobre o uso e o compartilhamento dessas informações.
• É necessário que as farmácias informem claramente aos titulares sobre o compartilhamento desses dados e obtenham um consentimento adequado para o tratamento.
• O tratamento de dados pessoais no setor farmacêutico deve estar em conformidade com a legislação vigente, garantindo a privacidade e a proteção dos direitos dos titulares.
• A ANPD desempenha um papel essencial na fiscalização e normatização do setor, mas cabe às farmácias assumir a responsabilidade de implementar medidas adequadas para garantir a segurança e a privacidade dos dados pessoais.
• Ao fazerem isso, elas contribuem para a construção de uma cultura de proteção de dados e fortalecem a confiança dos consumidores no setor farmacêutico.
• Se constatar a prática abusiva, o consumidor pode entrar em contato diretamente com a empresa ou realizar uma reclamação no Procon.
• A depender do caso, o consumidor pode buscar a intervenção do Poder Judiciário, inclusive por meio dos Juizados Especiais Cíveis.
- ECONOMIA | Do R7