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Mulher observa veículo militar russo destruído no pátio de um monastério nos arredores de Kiev

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Guerra na Ucrânia chega aos mil dias à espera de Trump e sob ameaça nuclear de Putin

Governo de Joe Biden autorizou uso de armas ocidentais contra o território russo para ‘fortalecer’ posições de Kiev em futuras negociações, mas estratégia traz riscos imediatos

Em dos momentos mais complexos dos mil dias de guerra, Rússia e Ucrânia, além de seus aliados, estão diante de um período ainda desconhecido, mas que pode definir o futuro de um conflito que parece sem fim. A chegada de Donald Trump ao poder nos EUA, em janeiro, deve mudar o apoio americano (e ocidental) a Kiev, e forçar uma negociação cujos termos estão em aberto. E as estratégias no campo de batalha hoje refletem a incerteza sobre o futuro e sobre os riscos do presente.

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Na semana passada, o governo de Joe Biden derrubou as limitações sobre os mísseis ATACMS, permitindo aos ucranianos usá-los em ataques mais profundos em território russo. Até ali, sistemas ocidentais só podiam ser empregados em áreas próximas da fronteira — com o aval, alvos como um depósito de armas em Bryansk, a 110 km da divisa, começaram a ser atingidos. O Reino Unido também liberou o uso de seus mísseis Storm Shadow, que caíram em Kursk, região parcialmente ocupada pela Ucrânia. Dias depois, Putin aprovou novas regras para o uso de armas nucleares e disse ter lançado um novo míssil balístico de médio alcance (MRBM), capaz de carregar ogivas.

Mapa do conflito na Ucrânia — Foto: Editoria de Arte
Mapa do conflito na Ucrânia — Foto: Editoria de Arte

O presidente democrata era contra a liberação, citando o temor de retaliações mais duras por parte de Moscou, e evitando o que o Kremlin poderia considerar um envolvimento direto de Washington na guerra. Isso até a vitória de Trump na eleição do começo do mês.

Desde a campanha, o republicano diz que poderia encerrar o conflito “em 24 horas”, e faz críticas aos pacotes de ajuda militar. Seu indicado para o Departamento de Estado, Marco Rubio, disse à rede NBC, no começo do mês, que os EUA hoje estão “financiando uma guerra de impasse”, e que a saída para o conflito é um “acordo”.

Encontro entre o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o ex-presidente e candidato republicano, Donald Trump — Foto: Doug Mills/The New York Times
Encontro entre o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e o ex-presidente e candidato republicano, Donald Trump — Foto: Doug Mills/The New York Times

Ao fornecer novos meios para os ucranianos resistirem à ofensiva em Donetsk, inclusive com minas terrestres, e para que atinjam pontos mais distantes em solo russo, Biden parece querer dar a Zelensky mais peso antes de uma futura negociação. Se der certo, Kiev poderia exigir concessões mais ousadas — segundo a Reuters, Moscou estaria disposta a retirar-se dos arredores de Kharkiv e Mykolaiv. E a manutenção da presença em Kursk, embora pequena, deve influenciar o mapa pós-guerra, quando novas linhas forem traçadas.

Mas poucos em Kiev acreditam em uma retirada ampla dos russos do leste do país ou na Crimeia.

— Isso ficou muito claro na autorização para o envio de minas. Você não usa minas antipessoais para atacar, você as usa para se defender — disse ao GLOBO Sandro Teixeira Moita, professor na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. — Não devemos nos surpreender se o governo Biden enviar novos equipamentos ou aumentar a lista de autorizações. E além de ser uma tentativa de reforçar as posições ucranianas e mantê-los na guerra, Biden também quer criar um impasse para o governo Trump.

A preocupação de Biden e aliados não é exatamente o fim negociado de uma guerra que afetou as vidas de milhões de pessoas, criou novos desafios para a segurança global e devastou um país, mas sim o que estará nos termos a serem firmados. O republicano tem se mostrado favorável à solução de “conflito congelado”, com a Rússia mantendo suas conquistas territoriais, equivalentes a cerca de 20% do território ucraniano, além da Crimeia, anexada em 2014.

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Um desfecho que Putin vê com bons olhos. Segundo a agência Reuters, o líder russo pode discutir propostas que lhe permitam ficar com a maior parte das áreas conquistadas, desde que obtenha o compromisso de que Kiev jamais entrará para a Otan, a principal aliança militar do Ocidente.

Para Moita, Biden tenta, além de impedir um desfecho muito desfavorável a Kiev, evitar que Trump decida abandonar bruscamente a ideia de um “grande acordo” — no passado, o republicano já se afastou de negociações consideradas difíceis.

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O caso mais conhecido foi o da Coreia do Norte: em fevereiro de 2019, Trump desistiu de um acerto com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, ao perceber que seus termos não seriam aceitos na íntegra, especialmente sobre a desnuclearização total do país.

— Dessa forma, o governo Trump terá que permanecer engajado com a Ucrânia, e talvez não conseguirá cumprir a promessa de acabar a guerra em 24 horas ou conduzir uma grande negociação já em janeiro, que era um consenso que vinha se formando — disse Sandro.

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O plano de Biden tem seus riscos. O reforço nos arsenais coincidiu com uma das maiores sequências de ataques aéreos russos desde o começo do conflito, além da pegada cada vez mais evidente da Coreia do Norte: além de munições e foguetes, Pyongyang passou a enviar soldados para a linha de frente.

O serviço de inteligência da Coreia do Sul diz que há 11 mil homens em solo russo prontos para o combate. Na sexta, a informação foi confirmada pelo Pentágono, que afirmou que os militares norte-coreanos estariam prontos para entrar na guerra “em breve”. Já o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirma que o número pode chegar a 100 mil nos próximos meses.

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Inicialmente, eles devem ser empregados em Kursk, e uma contraofensiva para retomar a região estaria prestes a ser lançada. Os ucranianos, por sua vez, encontram problemas para manter um número adequado de tropas, e até oferecem incentivos financeiros para aqueles que aceitam missões mais arriscadas.

O cenário inclui ainda uma incômoda e recorrente menção aos arsenais estratégicos russos. Na terça-feira, Putin aprovou novas regras para o uso de armas nucleares, e agora elas também poderão ser empregadas caso o país seja atingido por um ataque de grande porte, incluindo com armamentos convencionais, ou caso considere que há uma ameaça à sua soberania.

— Nós estamos vendo desde o início da guerra, em 2022, uma série de ameaças nucleares que fazem parte de uma estratégia maior de dissuasão que se imaginava ter morrido na Guerra Fria — disse ao GLOBO Layla Dawood, professora de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). — É a ameaça de uso de armas nucleares caso os EUA ou a Otan interfiram na guerra. A intervenção já acontece de modo indireto, mas Putin tem sido bem-sucedido ao impedir uma entrada efetiva dos EUA.

Lançamento de míssil balístico intercontinental durante exercícios das forças de dissuasão nuclear — Foto: Handout / Russian Defence Ministry / AFP
Lançamento de míssil balístico intercontinental durante exercícios das forças de dissuasão nuclear — Foto: Handout / Russian Defence Ministry / AFP

Na quinta-feira, a retórica passou perto de sair do papel.

Em discurso, Putin disse ter lançado um novo míssil balístico de médio alcance (MRBM), com capacidade de carregar ogivas nucleares, contra a região de Dnipropetrovsk. Analistas apontaram que esse tipo de armamento não é eficaz em um cenário de combate como o da Ucrânia, ainda mais usando explosivos convencionais. Por isso, foram quase unânimes ao dizer que o objetivo era mandar ao Ocidente a mensagem de que ele tem os meios para usar seu arsenal quando e se achar adequado, cruzando uma das poucas “linhas vermelhas” ainda em vigor desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

— Gostaria de sublinhar mais uma vez que não foi a Rússia, mas sim os Estados Unidos que destruíram o sistema de segurança internacional e, ao continuarem a lutar e a agarrar-se à sua hegemonia, empurram o mundo inteiro para um conflito global — disse Putin, em pronunciamento na quinta-feira. — Sempre preferimos e agora estamos prontos para resolver todas as questões controversas através de meios pacíficos. Mas também estamos prontos para qualquer desenvolvimento de eventos. Se alguém ainda duvida disso, será em vão. A resposta sempre estará lá.

Por Filipe Barini

Oglobo.globo.com

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