Esporte
No frio que Porto Alegre, Chacho Coudet X Jorge Sampaoli
No próximo sábado a tabela do Brasileirão colocará frente a frente os dois vice-líderes do campeonato, ambos treinados por argentinos
Duelo de loucos
No frio que Porto Alegre sempre promete para o mês de agosto, num clima tão comum aos dois, Chacho Coudet e Jorge Sampaoli, os argentinos de um campeonato que conta com três treinadores estrangeiros (o outro é o espanhol do Flamengo) gastarão a grama já tão escassa e que luta por si abandonada à beira da linha lateral.
Ocupando a parte de cima da tabela, com bom futebol e times promissores, os técnicos têm em comum algumas semelhanças ao mesmo tempo em que se distanciam com diferenças bem marcantes.
Dos locos lindos
Inter x Atlético-GO Brasileirão Beira-Rio Eduardo Coudet — Foto: Eduardo Deconto / ge
O primeiro ponto em comum é essa tal “loucura vigiada” que os argentinos chamam por lá de loco lindo. É uma sorte de “insanidade-sã”, em que pese o contraditório do termo inventado.
Um loco lindo é um sujeito do bem, com um ou dois parafusos a menos. Todos nós conhecemos alguém assim. E se não conhecemos, então é porque somos o próprio (vale averiguar isso).
Sobre as peripécias de Coudet, escrevi neste espaço – já tem um tempinho – um compêndio de histórias que, acho eu, já está bem resumido no título: Porque a loucura nunca foi sazonal.
Chacho foi um bom e exitoso jogador de futebol. Soube ser ídolo em todos os clubes por onde passou principalmente porque ao escolher um lado, passava imediatamente às provocações direcionadas a calçada da frente. Tem uma paixão declarada pelo Central e uma bronca em igual proporção ao Newell’s, por exemplo.
A passionalidade é uma marca registrada do técnico do Internacional. Quando ainda era jogador, no ano de 2005, na excelente revista El Gráfico, Chacho definiu quais as duas regras no futebol que mais lhe incomodam: “Receber cartão amarelo por tirar a camiseta (na hora do gol) ou que te expulsem por brigar com um companheiro (do mesmo time). Isso não existe, é incrível”.
Do jogador de sucesso ao amador que teve a carreira interrompida por uma grave lesão, com fratura exposta e tudo. A primeira diferença entre eles é o caminho percorrido, principalmente. Sampaoli jamais jogou em um estádio lotado e nem se destacou pelo que fez dentro de campo. Ele era um cara que veio de fora e soube, desde sempre, agarrar qualquer chance que lhe cruzasse o caminho.
No começo dos anos noventa, dirigindo times em sua cidadezinha nas pequenas ligas regionais, rascunhou os seus primeiros esboços à imagem e semelhança daquilo que observava de seu mentor, Marcelo Bielsa.
Também à revista El Gráfico, em conversa com o jornalista Andrés Burgo em 2012 (logo depois de ter conquistado o primeiro título internacional da história da Universidad de Chile, a Copa Sul-Americana de 2011) Sampaoli revelou: “Eu estava o dia todo pendente do futebol. Literalmente. E cheguei ao ponto de ser bielsadependente. Eu saía para correr e escutava fitas do Bielsa. Eu ia atrás dele cada vez que palestrava ou dava seminários. Era obsessivo de seu Newell’s, sabia tudo o que ele fazia desde que estava treinando as categorias de base”.
Bielsista: ser ou não ser?
Marcelo Bielsa no Leeds — Foto: Getty Images
Esta é provavelmente a principal diferença entre os dois técnicos. A devoção comprometida e absoluta pelo estilo bielsista da vida não é uma obsessão de Coudet. Aliás, em seus melhores anos como jogador, Chacho não teve chances na seleção comandada por Bielsa. Se guardou alguma mágoa?
“Gosto muito mais do futebol jogado hoje (Pékerman era o técnico da seleção) do que aquele com Bielsa. Está muito mais identificado com a nossa maneira de viver. Se vamos deixar de lado nossa malandragem para disputar corrida contra jogadores que fazem isso desde que nasceram, como é o caso dos europeus, vamos igualar tudo e aí acontece o que passou no Mundial (na Coreia-Japão 2002, a Argentina de Bielsa foi eliminada na primeira fase). Temos que jogar à maneira argentina e Pékerman faz isso”, disse na seção 100×100 da revista El Gráfico em 2005.
Do outro lado, como todo bielsista de carteirinha, Sampaoli é um fiel defensor das ideias de seu guru. E com uma particular qualidade reconhecida pelo próprio Bielsa: não se torna refém das ideias. Jorge gosta do método e tenta sempre segui-lo em linhas gerais, mas é capaz de retroceder algumas casas e adaptar o estilo desde que seja necessário.
E o comando da seleção argentina foi ao mesmo tempo o ponto alto e a debilidade de Sampaoli. Como também foi para sua grande referência.
No grande momento da carreira, Jorge Sampaoli chegou como potencial salvador de um time desorientado, que corria sério risco de perder a vaga para Copa da Rússia. Junto com um Messi inspirado nas rodadas finais, conduziu a Argentina à classificação. Mas foi só desembarcar no país do último Mundial que tudo começou a ruir. E a imagem que ficou fez o técnico a admitir, pouco tempo depois, que é mais bem visto fora de seu país.
Chacho foi cogitado para substitui-lo. Contra ele ainda pesava a pouca experiência como treinador. Tinha trabalhado no Rosario Central, no México e estava no Racing. A favor tinha as boas campanhas que devolveram protagonismo ao time de Rosario e os títulos conquistados com a Academia, levando em consideração o trabalho de Sísifo que é ser campeão com o Racing.
No Brasileirão 2020
Jorge Sampaoli durante o jogo Botafogo x Atlético — Foto: Pedro Souza/Atlético
Tatuagens de rock de um lado e cachecol da sorte de outro, os times de Coudet e Sampaoli costumam chutar – e muito – a gol. E o detalhe importante neste dado é que a bola, via de regra, tem por costume frequentar o retângulo (até porque se for só chutar por chutar o karatê já nos oferece isso).
O Atlético-MG tem uma média de 19,25 chutes por jogo até aqui no campeonato. E mesmo na derrota para o Botafogo no meio de semana, o Galo chutou obscenas trinta e uma vezes a gol (dessas, nove foram no alvo).
O Internacional também mantém uma média bem respeitável. Nas quatro primeiras rodadas, o time de Chacho tem média de 14 chutes a gol. Contra o Santos, na partida que mais assediou o arco contrário, teve 25 finalizações no total (sete delas no alvo).
Além dos números ofensivos que falam por si só, porque posse de bola e troca de passes nem sempre significam alguma coisa, contar com dois técnicos sudacas também rende um bom garimpo no mercado sul-americano, onde o Brasil ainda exerce certa liderança econômica.
Alan Franco foi um pedido expresso de Sampaoli, e o paraguaio Junior Alonso uma oportunidade que o técnico percebeu quando o Boca não conseguia assegurar a renovação do zagueiro. O mesmo acontece com o volante Musto e o lateral Renzo Saraiva no Internacional. Ambos já tinham trabalhado com Coudet, em Central e Racing, respectivamente, e estão conquistando espaço no time.
Recentemente li que um asteroide do tamanho de um carro passou perto da Terra sem ser detectado pelos observatórios espaciais. Foi pura sorte, a nossa.
Qualquer dia desses, uma dessas pedras soltas que viajam em busca de destino vai nos acertar bem em cheio. Talvez ela seja até maior do que isso. Talvez ela seja do tamanho de uma SCANIA TRUCADA. Sem ter sido previamente identificada, não vai dar tempo nem de descobrir de onde ela veio.
Então, certo mesmo estão esses dois. Porque enquanto ainda temos tempo, o negócio é chutar a gol e se manter um pouco louco.
Controladamente louco.
Mais em @leo_lepri / Groboesporte.globo.com