Esporte
O ano de 2020 deixou a trágica marca de mais de 190 mil mortes no Brasil em razão da Covid-19.
Sobre saudade e amizades
Um auxiliar inovador, um roupeiro-jogador, um presidente homem-gol e um treinador revelador de talentos… Conheça a história de personagens do futebol que foram vítimas da Covid-19
O ano de 2020 deixou a trágica marca de mais de 190 mil mortes no Brasil em razão da Covid-19. O vírus afastou famílias, transformou vidas e ressignificou relações. A história narrada por quatro pessoas logo abaixo é um retrato de tempos duros. Lembranças da bola, mas também da vida. Com muita saudade.
René Weber (1961-2020) era a imagem do profissional dedicado. Quando precisou, assumiu o Botafogo, recentemente. Deixou amigos em todo lugar por onde passou. Um deles é Flavio Tênius, atual preparador de goleiros do Alvinegro.
Luiz Henrique Ribeiro, o Henricão (1969-2020), roupeiro do Vasco, alegrava o ambiente, cuidava dos atletas e era motivo de risadas pelo jeitão descontraído. O supervisor vascaíno Clauber Rocha relata de forma emocionante a história do amigo.
Marcelo Veiga (1964-2020), técnico e ex-jogador, estava em atividade no São Bernardo, até se contaminar com a Covid-19. Deixou legado de boas descobertas e muito mais pelo interior paulista. O presidente do Bragantino conta mais sobre ele.
Augusto Pinto Monteiro (1949-2020), o Pintinho, presidia o Olaria desde 1995. Era flamenguista e tinha no irmão José Pinto Monteiro, vascaíno e ex-dirigente do clube de São Januário, um dos melhores amigos. As lembranças do subúrbio carioca passam pela narrativa desse típico personagem do Rio de Janeiro.
RENÉ WEBER – O AUXILIAR INOVADOR
Depoimento de Flavio Tênius, preparador de goleiros do Botafogo e amigo de René há 23 anos
“Eu conheci o René em 1997. Estava no profissional do Flamengo, e no meio do ano o Paulo Autuori foi contratado. Vieram o Paulo, o René e o Gilvan, preparador físico. Eu era preparador de goleiros, e a gente começou a trabalhar juntos.
Eu nunca tinha tido experiência de trabalhar com vídeo até ali. Isso estou falando de 1997, há 23 anos. E ele (René) já fazia trabalho de vídeo muito bacana. Na época era fita VHS. Era maior trabalheira. Ele editava os jogos do Flamengo, do adversário, ele que fazia tudo. Claro que ele só conseguia gravar o que passava na TV.
Eu tinha câmera portátil, mas não tinha alcance legal, a luz do estádio não era boa. Eu fazia isso já, não sempre, mas ele já tinha isso pronto. Ele tinha dois aparelhos. Em um ele cortava, pegava o jogo e ia cortando, editando os lances que ele queria. Eu comecei a acompanhar ele. Ele me chamava, “me ajuda aqui”.
E eu pensei que podia adaptar bem para o meu trabalho. Para ver com os goleiros, lances de adversários. E foi a partir daí que eu peguei isso e faço até hoje. Se eu não tiver informações do adversário, se eu não puder ver o dia a dia do meu goleiro no treinamento, nos jogos, parece que não é meu trabalho.
Isso me marcou muito. Eu brincava com ele. Hoje, tem setor de análise nos clubes, né? E eu falava, “tá vendo, René, que moleza que é agora”. Hoje você tem programas, o Wyscout, por exemplo, que você bota lá a data que você quer, o jogador que você quer do mundo todo, você tem isso. Imagina a trabalheira de como era antes?
A galera do Botafogo nem imaginava como era. Eu contava isso para eles. O René sempre foi muito curioso com esse negócio de tecnologia. Ele estava sempre com eles vendo as plataformas que hoje usam. Ele estava sempre direcionando o trabalho dos caras.
A partir daí a gente ficou muito amigo. Eles saíram do Flamengo, eu continuei, três anos depois eles foram para o Cruzeiro, o Paulo me chamou. Eu fui com eles.
Coincidentemente, ele era meu vizinho. O René morava a três prédios do meu, ali no bairro da Lagoa, perto do Humaitá. A gente se encontrava toda hora. Quando ele estava no Brasil, porque ele saiu muito para trabalhar fora.
Além do futebol, ficamos amigos. A esposa dele ia lá em casa. Ele estava de bobeira, treino era de tarde, ele me ligava às 9h: “e aí, está à toa? Vamos tomar um café”. Tinha uma padaria perto de casa, no Jardim Botânico, a gente sentava lá, tomava café. A gente tinha meio que nosso escritório ali. “Vamos tomar um negócio no nosso escritório”. A gente ia muito ao Shopping da Gávea também. E assim foi nesses 23 anos de amizade.
Ele tomava café para caramba. Muito café. E era engraçado porque na época do Flamengo, que concentrava em São Conrado, era em frente ao shopping. E eu nunca fui de café, mas aprendi a tomar café com ele. A gente almoçava, atravessava a rua e ia tomar café no shopping. Era sempre motivo para a gente sentar, para bater papo.
A gente tomava chope ali no Baixo Gávea. Comia uma carne, batia um papo. Ele era gaúcho, né, gostava muito de churrasco. Era de uma cidade chamada Roque Gonzales. Uma cidade pequena, ninguém conhece. Ele veio jogar no Fluminense, conheceu a Rosana, mulher dele, e acabou que virou um carioca. Mas ele defendia, falava “o estado do Rio Grande”.
Ele gostava muito de comer na rua, jantar fora. De um tempo para cá, ele estava até meio assim, porque era muito engraçado. Ele pegava um resfriado, eu dizia: “pô, o problema é a carne”. Porque a filha é vegana e a mulher virou vegetariana, quase não comia carne mais. Eu ficava brincando: “pô, René, não dá, né? Você, gaúcho, comendo ravióli de abóbora.” Ele dizia: “hoje é nhoque disso, feijoada de tofu (risos)”. Ele não parou, mas diminuiu bem.
A gente se falava sempre. Quando ele foi para o hospital, eu não sabia. Ele passou uns dias em casa com sintoma de resfriado, mas eu não sabia. A gente estava no clube, treinando num domingo, e o médico do Botafogo, que estava dando ajuda, porque a esposa também tinha tido, me disse que ele foi para o hospital.
Ele não tinha comentado nada. Mas a gente ligou para ele da beira do campo. Peguei e falei: “e aí, como você está?” Ele disse: “Estou aqui, mas estou legal. Estou mais por precaução”. Falei com ele na segunda. Ele disse que achava que estava indo embora “hoje ou amanhã”. Na terça, liguei e ele não atendeu. Aí mandei mensagem para ele. “Já está em casa?” Ele falou “pô, cara, não estou legal, não. Um dia ruim, estou no décimo dia, acho que é o pior dia”. Falei, “que nada, daqui a pouco você sai daí”. Isso foi por mensagem. E de noite ele foi entubado.
Ficou umas duas semanas direto, entubado.
Engraçado porque ele estava com a gente viajando direto. Estou em Curitiba (antes do jogo contra o Coritiba, vitória por 2 a 1 do Alvinegro) e é um estresse absurdo. Venho no quarto, limpo tudo, na mesa do computador, banheiro, mesinha, em tudo que é canto. E a gente viajou direto. Logo na primeira viagem do Brasileiro, fomos para Bragança e depois Fortaleza. Todo mundo meio mal com isso tudo e ele estava se cuidando, fazendo tudo certinho.
Ele não fumava, se alimentava legal, andava direto na Lagoa. Acho que ele estava com dois cachorros agora, tinha um gato. Todo dia ele estava andando na Lagoa.
Quando eu assumi o time por três jogos, depois do Bruno Lazaroni, antes de os argentinos chegarem, ele me emprestou o campinho. Eu não tenho isso, né? Ele fez o curso da CBF, foi treinador, trabalhou em vários lugares. Pedi para ele: “me empresta o seu campinho magnético, porque eu não tenho. Vou ter que dar preleção”. Eu peguei com ele, depois devolvi.
Eu tenho uma foto muito bacana, de um ano do meu filho, hoje ele tem 17 anos. Uma festa dele, está ele, a esposa, a filhinha dele, que hoje é uma mulher, e meu filho, há 17 anos.
É meio inacreditável, cara. P…, não é mole, não. Você não imagina… Parece que não rolou, entendeu? A gente é do futebol, sabe, às vezes você está num lugar, o outro está em outro. Eu fiquei 10 anos fora do Rio, nunca perdíamos contato, mas às vezes ficava sem se ver. Era um amigo que realmente eu fiz no futebol. A gente trabalha com muita gente, mas com poucas pessoas a gente se identifica assim.
Os jogadores aqui ficaram muito sentidos. Apesar do pouco tempo de convívio, deu para ter ideia da pessoa que ele era. Cavalieri, Gatito, ele estava sempre encostando no jogador, trocando ideia. Era um auxiliar bastante ativo. Ele sabia o que o cara passava, o que ele estava pensando no momento, sabia como falar com o jogador.
Ele era um cara muito querido. Tem gente que não trabalhou com ele, mas fez curso da CBF. Era um cara sempre alto astral. Quando a coisa não estava encaixando, era o cara da positividade, estava sempre alegre. A gente tinha um grupo que ia ao Braseiro da Gávea, ia Ricardo Gomes, Isaías Tinoco, Veloso (ex-presidente do Flamengo). Ficou todo mundo muito sentido.”
LUIZ HENRIQUE RIBEIRO – CUIDAVA DA CAMISA DO VASCO COMO UM TERNO
Depoimento de Clauber Rocha, supervisor de futebol do sub-20 do Vasco
“Sou de Rondônia, vim para o Rio em 2000 para jogar na base do Botafogo.
No sub-15, em 2000, o Henrique já era roupeiro da base. Ele foi meu roupeiro no sub-17 e no sub-20. A gente treinava em Marechal Hermes.
Eu parei cedo porque tive uma série de lesões, fiz quatro cirurgias no joelho, aí depois fiz a transição de atleta para trabalhar como supervisor no Botafogo, no sub-15. Ele era nosso roupeiro. Depois, ele foi desligado. Assim que vim para o Vasco, a primeira pessoa que fui atrás para me ajudar na rouparia foi o Henrique. Isso era fevereiro de 2018. Ele estava no profissional do Olaria.
Nossa relação foi sempre muito forte. Ele era um amigo que cuidava, tinha muito carisma, cativava. Ser bem quisto pelo Henrique era status.
Ele sempre tentou imitar o boleiro, o jogador, com fone de ouvido, aquele fone de ouvido que tapava o ouvido. Imitava jeito de andar de jogador, tinha jargão, que é nosso grupo da comissão até hoje, com erro de português. Ele falava “a gente jogamos”.
Um final de semana, acho que era sexta-feira, ele falou para mim: “não estou legal, estou com moleza no corpo”. E ele não era de fugir de trabalho em hipótese alguma. Falei para ele folgar. Ele disse: “vou pegar”. Para ele aceitar, é porque não estava legal. Ficou sábado, domingo em casa. Aí no início da semana demos voucher para ele fazer o teste de Covid. Foi diagnosticado, mas ele sempre estava relatando para a gente que estava bem.
Depois, o filho fez contato comigo, disse que não estava muito legal e levamos ele na clínica onde estava um médico do clube de plantão. Decidiu interná-lo de imediato. Ficou seis dias internado. Pela melhora ele foi liberado.
Ele já estava em casa há 17, 18 dias. Estava agoniado para voltar. Mas a gente não deixou. Essa ano, pela batida que foi, sem folga, muitas viagens, não queríamos isso para ele.
Na final contra o Botafogo (Carioca de juniores, com Vasco campeão), os meninos ligaram para ele no momento em que a gente faz uma roda. Na final da Copa do Brasil sub-20, era desejo meu que ele estivesse com a gente, pelo menos aqui em São Januário. Pela evolução dele. Por isso a notícia foi tão arrebatadora.
Ele me chamava de jogador, sempre falava “a gente jogamos”. Chamava de “padrinho”. Era um cara totalmente detalhista, comprometido… Chegava às 4h30 no trabalho. Era de Vila Kenedy, você imagina a hora que ele devia acordar? Outro funcionário que trouxemos, que virou filho dele, Wallace Gama, ficou mais sentido ainda.
Ele gostava muito de funk melody, de charme… Eu gosto muito de sertanejo, mas outro dia eu cheguei e ele estava ouvindo “Sinônimos”, do Zé Ramalho. E eu adoro Zé Ramalho. Então, a gente se olhava e falava: “vamos meter aquela música?”
Ele tratava a roupa do clube como se fosse terno…
Passei por dificuldades quando cheguei ao Rio. Ele me ajudou muito. Era muito da rotina dele trazer bolo confeitado, uma fruta, alguma coisa que ele tinha condição de comprar. Sempre cuidou de todo mundo como filho.
Fazia café da gente todos os dias. Sabia como cada um gostava, os que tomavam com adoçante, com açúcar, sem… Está difícil entrar no vestiário. Não estou nem tomando café mais. Para muitos parecia detalhe, mas eram ações de uma pessoa especial que se importava com o próximo.”
MARCELO VEIGA – O DESCOBRIDOR DE TALENTOS
Depoimento de Marcos Chedid, presidente do Bragantino
“Meu pai chamava ele de filho. Conheci o Marcelo em 2004, quando ele treinava a Matonense. Em janeiro de 2005, contratamos ele para o Bragantino. De 2007 a 2017, ele trabalhou aqui em várias oportunidades. Ele era de Santos, mas comprou casa aqui em Bragança.
Era um treinador muito tranquilo. Sabia das condições de cada clube que ia treinar. Nunca era de pedir jogador atrás de jogador. “Quanto é a folha? Então está bem, vamos buscar jogadores para isso”. Ele se adaptava ao clube.
Ele nunca teve nada de “ah, eu quero esse jogador”. Ele tinha uma coisa de olheiro. O Felipe, zagueiro que foi do Corinthians e está na Europa (Atlético de Madrid), era entregador de pizza em Guarulhos. Jogava no Flamengo de Guarulhos, treinava duas vezes por semana. Ele viu, disse que precisava ser trabalhado. Veio, ficou sete meses e foi para o Corinthians.
O Romarinho nós acompanhamos no Rio Branco, no São Bernardo, ficava no banco, às vezes nem era relacionado. Ele estava em casa, em São Bernardo, num bairro chamado Palestina, dormindo no chão de casa, trabalhando como servente de pedreiro. Marcelo trouxe ele, fez trabalho de preparação. Pouco depois estava no Corinthians ganhando R$ 40 mil por mês.
Uma vez ele foi ver um jogador do Pão de Açúcar (Audax), chamava Paulo Henrique, acho. Mas pediram muito dinheiro e ele falou: “vamos levar aquele 8 ali”. Era o Paulinho, depois jogou no Corinthians, na Seleção. Ele ia buscar, ele fuçava.
O futebol perdeu um cara íntegro, correto. A nossa recuperação aqui nós devemos muito a ele. A gente falava muito, tínhamos ideia de em 2021 fazer um grande projeto com times do interior, com ele dando orientação na revelação de jogadores, para levar dinheiro para os clubes do interior.
Acho que ele teve um pouco de teimosia. Não quis ir para o hospital. O médico do Bragantino que o levou para o hospital.
Trabalhei com Vanderlei Luxemburgo no começo, com Parreira, mas o Marcelo era um p… treinador. E não era metido. Sempre foi humilde. Pena que não teve oportunidade em time grande”.
PINTINHO – O PRESIDENTE QUE PAROU ROMÁRIO
Depoimento de José Pinto Monteiro, irmão de Pintinho e ex-vice-presidente do Vasco
“Meu irmão era flamenguista. Eu, vascaíno. O mais novo também vascaíno, por imposição minha. Somos filhos de família de portugueses, com avós paternos e avó materno portugueses. Avó materna era de origem africana. Nosso irmão mais novo faleceu há seis anos, teve um tumor no cérebro. Ficamos só nós dois.
Nós fomos criados em Inhaúma, mas com sete ou oito anos mudamos para Olaria, área que hoje chamam de Complexo do Alemão. Era um tempo mais romântico, existia a figura do guarda noturno. A arma mais poderosa que tinha ali era o apito. O guarda apitava para chamar a atenção e os assaltantes corriam. Isso era final dos anos 1950, início dos 1960.
Ninguém tinha TV, na nossa infância tinha aqueles filmes no cinema e a gente ia para ver uns capítulos que tinha antes dos filmes. A gente chamava de “Fita em Série”. Ficávamos a semana toda esperando. Às vezes a gente saía antes do filme.
Curioso é que meu pai era um português bem tradicional, mas detestava futebol. Queríamos jogar. Ele cortava. Brigava com treinador que ligava para nossa casa para que a gente jogasse futebol.
Meu pai era caminhoneiro. Minha mãe trabalhava num hospital em Bonsucesso. Pintinho e meu irmão mais novo trabalharam na carreira dele. Depois, Pintinho se transformou em empresário bem-sucedido na área de transportes.
A primeira vez que tivemos contato com futebol, de perto, lembro que vimos no jornal, um Olaria x Fluminense na Rua Bariri. Vimos do morro ali do lado do campo. Descobrimos que tinha que pagar para entrar. Não tínhamos dinheiro nem para comprar amendoim, mas era comum no segundo tempo abrirem portões para a molecada ver. Tínhamos 12, 13 anos.
Com essa idade a gente já trabalhava. Ele trabalhava com meu pai, ia até Belo Horizonte, no mercado na Casa das Banhas. Eu era office boy na Bolsa de Valores. Começamos a frequentar o Olaria pela porta da frente. Éramos sócios-atletas, outra hora viramos sócios.
O Olaria sempre foi um clube pioneiro. Os Mutantes vieram cantar. A gente tinha 17 para 18 anos, fomos no show. Tinha tanta gente para ver Os Mutantes, a Rita Lee, que não tinha mesa e cadeira. Estavam todos em pé.
Aí ajudamos para inaugurar o parque aquático do clube. Mas eu tinha outras aspirações, queria me formar, estudar mais. Não convivia muito no bairro. Ele foi convidado para ser diretor, depois virou vice de futebol e foi eleito sete vezes.
Pouca gente conhece a história dele com o Romário. Ele foi procurado pelo Vasco aos 15 anos. Já era destaque. Um dia meu irmão estava em casa, descansando, e a minha cunhada o chamou. Ela disse para o garoto voltar mais tarde. Mas ele disse que não tinha problema, que ia ficar esperando ali na varanda.
Aí, com a insistência, meu irmão foi ver o que era. Era o Romário.
“Vim conversar com o senhor porque meu pai pediu para eu vir aqui e mesmo que ele não pedisse eu viria. O senhor sempre me respeitou e me ajudou muito. Na segunda eu vou me apresentar no Vasco.” Meu irmão disse: “Como é? Não é assim, não. Segunda você treina na Rua Bariri”. O garoto respondeu: “Deixa eu explicar para o senhor. Não vim aqui pedir sua autorização. Vim avisar que estou indo para o Vasco”.
Meu irmão ficou maluco. Bloqueou a carreira dele um tempão. Ficou três anos jogando partidas não oficiais, pelo infantil, juvenil… Ele era convocado pela seleção de juniores sem partida oficial por clube. Ficou quase três anos sem contabilizar gol nenhum.
Meu irmão era metido a cantor, a dançarino, a jogador. Não fazia bem p… nenhuma. Ele andava com cartão de visitas que dizia “se o seu problema é gol, Pintinho é a solução”. Ele era muito maluco, um cara muito empreendedor, amigo de todo mundo.
Ele estava meio distante do clube ultimamente. Tinha problema para caramba para pagar os funcionários, estava com vergonha, se escondendo um pouco. Outro dia, me chamaram para ver um jogo do Olaria, eu fui (não tinha público, mas fiquei na cabine). Ele soube e me ligou: “O que você está fazendo aí?”.
Depois, ele passou de carro, naquele dia não senti nada de diferente. Isso foi numa quarta. Sexta ele me ligou de noite. “Você não vai acreditar. Estou com Covid”. Entramos naquele processo de desespero. Ele era total grupo de risco. Hipertenso, diabético, passou por doença terrível… Ele não podia ter isso. Ainda ficou uma semana em casa, de quarentena e sem sair.
Uma semana depois, “não estou aguentando, estou indo para o hospital”. No sábado o médico ligou, disse que ia entubar, pediu minha autorização. Mas ele teve uma doença e não podia fazer qualquer tipo de anestesia. No domingo de manhã, não teve jeito. Ele mesmo pediu para entubar. Não estava conseguindo respirar mais. Todo dia vinha notícia que ele dormiu bem, estava melhorando… Depois de uma semana entubado ele faleceu.”
*Todos os depoimentos foram ouvidos pelo repórter Raphael Zarko
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