SIGA O 24H

Esporte

O polonês é legítimo ganhador, ainda que Messi só não o supere em gols marcados.

Publicado

em

Compartilhar isso...

Os melhores do mundo e a fábrica de recordes do futebol atual

A eleição de Lewandowski como melhor jogador do mundo entre 8 de outubro de 2020 e 7 de agosto de 2021 está longe de ser uma aberração. O polonês sustenta, temporada após temporada, números impressionantes de gols marcados, inclusive quando observados sob a ótica dos chamados gols esperados, o Xg, uma métrica que avalia a qualidade das chances ou, sob certo aspecto, o grau de dificuldade da finalização, através da medição da probabilidade de que cada arremate termine nas redes rivais. No período avaliado pela premiação da Fifa, Lewandowski esteve em condições de finalizar jogadas que, de acordo com o modelo matemático, deveriam resultar em 40,55 gols. No entanto, ele marcou 51 vezes.

Lewandowski comemora gol pelo Bayern de Munique — Foto: Friedemann Vogel/EFE

Lewandowski comemora gol pelo Bayern de Munique — Foto: Friedemann Vogel/EFE

O polonês é legítimo ganhador, ainda que Messi só não o supere em gols marcados. No mais, tem números melhores nas mais diversas ações de um jogo de futebol, prova de que, a esta altura da carreira, o argentino ainda influencia uma partida de forma notável: tem mais assistências, chances criadas, dribles, gols esperados a partir de assistências para companheiros, gols que garantiram vitórias, pontos ganhos a partir de seus gols… Talvez Messi tenha banalizado o extraordinário, habituado o mundo a um padrão de brilhantismo que terminou por dessensibilizar a audiência. Tudo o que não parecer fora de série é frustração. Ainda que seja verdade que, aos 34 anos, têm se tornado comuns as jogadas não finalizadas em que somos vencidos pelo inevitável exercício de fantasiar: “o que teria feito neste lance o Messi de cinco anos atrás?”

O curioso mesmo nessas premiações individuais é como, nos últimos anos, cada candidato é apresentado não apenas pelos títulos que ganhou, pelos gols que marcou, mas por uma lista quase interminável de recordes. O futebol atual é uma produção industrial de quebra de marcas, o que reflete duas realidades não excludentes. Ao contrário, elas se retroalimentam.

Vivemos uma era dourada do jogo, em que por uma década os prêmios foram divididos por Messi, o maior jogador deste século e um dos maiores da história, e Cristiano Ronaldo, dos mais espetaculares artilheiros que o mundo já viu. Tempos em que meio-campistas como Xavi, Iniesta e Modric ditaram ou ainda ditam o jogo, em que atacantes como Lewandowski e Benzema, cada um a seu modo, surgem implacáveis ano após ano, em que Salah, Neymar e tantos outros atacantes viveram temporadas indomáveis.

Messi: números espetaculares na última temporada pelo Barcelona — Foto: Albert Gea/Reuters

Messi: números espetaculares na última temporada pelo Barcelona — Foto: Albert Gea/Reuters

Mas esta é, também, um era em que o rio corre para o mar, em que jogadores espetaculares desfrutam de um contexto todo ele moldado para que pulverizem recordes. Porque a globalização os reuniu em um grupo restrito de clubes, transformados em seleções mundiais. Por boa parte da temporada, enfrentam rivais que estão a uma distância cada vez maior dos superclubes mais ricos do mundo, times que reinam quase absolutos nos campeonatos nacionais. O que não diminui seus feitos, apenas retrata os novos tempos.

Lewandowski conquistou seu segundo prêmio da Fifa no ano em que ultrapassou Gerd Müller e se tornou o maior artilheiro de uma edição da Bundesliga, o Campeonato Alemão. Messi é recordista de gols, jogos, vitórias e títulos na história do Barcelona. É também o maior artilheiro da história do Campeonato Espanhol, o homem que mais vezes foi o goleador do torneio, o jogador que mais gols fez numa temporada – contando todos os torneios – e o único a ter feito inacreditáveis 91 gols ao longo de um ano. Seria possível listar mais uma dezena de marcas. E o mesmo se aplica a Cristiano Ronaldo, maior goleador da história do Real Madrid, do Mundial de Clubes, da Liga dos Campeões e de uma única edição da Champions, competição na qual é dono da maior sequência de partidas marcando gols, sem falar no recorde de gols em mata-matas da competição. Na cerimônia que premiou Lewandowski, Cristiano foi homenageado como o maior artilheiro de seleções da história.

Os recordes são um testemunho do brilhantismo destes futebolistas, do privilégio de vivermos esta época do futebol. Mas também falam sobre um contexto que outros números ajudam a desvendar.

Nas dez edições da Bundesliga entre 1991 e 2000, o campeão conquistou entre 64,7% e 76,4% dos pontos. Em cinco edições o líder teve aproveitamento inferior a 70% e só uma vez superou os 75%. Como termo de comparação, nas últimas dez edições do Alemão o título foi ganho por quem conquistou entre 77,4% e 89,2% dos pontos. Em sete destas edições o campeão ganhou mais de 80% dos pontos. A guinada é brutal, ainda mais levando em conta que, até 1995, um empate assegurava metade dos dois pontos em disputa. Hoje, um empate representa só 33% dos pontos. A comparação é desigual com os times atuais.

Lewandowski vive sua oitava temporada no Bayern de Munique. Jamais deixou de ser campeão alemão num clube que, hoje, caminha para um inédito decacampeonato de uma liga transformada em mera formalidade. Gerd Müller, cujo recorde o polonês superou, jogou por 15 anos no Bayern e ganhou só quatro edições da Bundesliga.

O mesmo ocorre no Campenato Espanhol, onde Messi e Cristiano Ronaldo deram as cartas por quase dez anos. Entre 1991 e 2000, ganhar o título da liga exigiu entre 60,5% e 76,3% dos pontos. Ainda assim, esta última marca, obtida pelo Barcelona de 1993, o Dream Team de Johan Cruyff, seria de 72,8% pela regras atuais que dão três pontos ao vencedor e um pelo empate.

Cristiano Ronaldo celebra gol pelo Real Madrid diante do Barcelona — Foto: Getty Images

Cristiano Ronaldo celebra gol pelo Real Madrid diante do Barcelona — Foto: Getty Images

Desde 2009, o título ficou com quem ganhou entre 77% e 87,8% dos pontos. Em duas ocasiões, o campeão atingiu 100 pontos em 114 possíveis: uma vez o Real Madrid, outra o Barcelona. Desde 2010, por nove vezes o campeão somou mais do que 90 pontos, algo que nunca ocorrera desde a adoção do sistema atual de pontuação, na temporada 1995-96.

O futebol globalizado criou a ambição dos times perfeitos, capazes de buscar estrelas em qualquer parte do mundo, gerando um incontornável abismo entre centro e periferia. Os grandes craques dos nossos tempos colecionam marcas porque são geniais, porque vivemos uma era de ouro. Mas também porque o futebol concentrador de riquezas é, ao mesmo tempo, desigual e catalisador dos números, das estatísticas destes talentos que marcam época.

Por Carlos Eduardo Mansur

Ge.globo.com

COMENTÁRIOS

Deixe seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade