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O título que decretou a quebra de jejum do Galo seja dedicado a todas as crianças atleticanas de cinquenta anos.

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Atlético quebra o jejum: entre Dadá e Hulk, dez décadas vos contemplam

O título que decretou a quebra do jejum deveria ser dedicado a todas as crianças atleticanas de cinquenta anos.

Alguns momentos históricos merecem especiais reverências. É imprescindível, por exemplo, que o título que decretou a quebra de jejum do Galo seja dedicado a todas as crianças atleticanas de cinquenta anos. Foram eles, afinal de contas, que perpeturaram entre as crianças ainda mais crianças o sentimento de sentar na arquibancada, de aguentar laterais mancos, juízes larazentos e calendários perpétuos. De suportar as intempéries mesmo que o imenso hiato de conquistas desabasse como um fardo sobre as gerações que se sucediam.

O tango cantado por Carlos Gardel diz que “vinte anos não são nada” para falar sobre a difícil arte de saber voltar para casa. Mas se vinte anos não são nada, cinquenta já são alguma coisa, e entre os testaços astrofísicos de Dadá Maravilha e a canhota possuída de Hulk, desde o cume das alterosas, nada menos que cinco décadas contemplavam os atleticanos. Meio século de incontáveis semifinais e, sobretudo, atravessado na garganta por ver a geração de Reinaldo encantar sem vencer nada — aqueles que nos encantam e não vencem, bem sabemos, são nossos cúmplices mais íntimos. Choramos com eles, e por eles, todas as noites.

E talvez o título atleticano tenha começado a se fazer sentir para as crianças que desde muito já constituíram família justamente quando Hulk ergueu um punho cerrado, inspirado na clássica comemoração de Reinaldo. Os pontos corridos às vezes nos roubam certo arrebatamento que só os escanteios derradeiros e as súbitas reversões de expectativa que depois ecoam pela vida podem atestar — também quanto a isso, convenhamos, o atleticano merecia algum descanso. A conquista passa, obviamente, por um elenco montado com muito dinheiro, mas ao atleticano hoje está reservado o direito de não saber mais fazer contas — nos próximos dias, em Minais Gerais, todo guardanapo molhado virou dólar.

Se faz muito tempo que o caminho para o título marchava em contagem regressiva, transformando as últimas rodadas em um tranquilo olhar de canto para a maior ampulheta jamais vista — cinquenta anos, afinal de contas, é muita areia –, as últimas linhas foram escritas da maneira que se sonha: três gols em quatro minutos e uma virada espetacular, mesmo em terreno hostil, para mostrar do que esse time é capaz. Aquelas crianças de cinquenta anos, afinal de contas, não mereciam ser campeãs no conforto do sofá. Deverá sempre haver um campinho verdejante, uma terra vermelha ou um bar na penumbra para servir de testemunha, eis o Velho Testamento do torcedor.

É em estado de suspensão que atravessamos a vida — caminhando por qualquer lugar ou esperando na arquibancada. “A bola que lancei quando brincava no parque ainda não tocou o chão”, já escreveu Dylan Thomas, que talvez fosse torcedor do Atlético-MG se não tivesse nascido no País de Gales. No fim das contas, estamos todos condenados a esperar que a bola arremessada enfim caia como um pequeno meteoro na grama, esse é o enigma que nos move. O pequeno atleticano de cinquenta anos talvez ainda esteja olhando para o céu, mas o que não é mais segredo pra ninguém nessa madrugada é que alguém por fim buscou no fundo das redes e levou até o meio do campo aquela bola que Dario cabeceou no Maracanã em 1971.

Footer blog Meia Encarnada Douglas Ceconello — Foto: Arte

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ge.globo — Porto Alegre

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