Educação
Quase metade — 30 de 69 — das universidades federais alertam que não vão conseguir chegar ao fim do ano
Orçamento não dá até o fim do ano, dizem 30 das 69 universidades federais
Falta verba para gastos essenciais, como pesquisas, já há corte de bolsas, retorno presencial em 2021 está descartado e até aulas remotas estão ameaçadas
RIO — Quase metade — 30 de 69 — das universidades federais alertam que não vão conseguir chegar ao fim do ano com o orçamento atual, mesmo que todo ele seja desbloqueado. Juntas, elas reúnem mais de 500 mil dos 1,3 milhão universitários da rede. Entre elas, estão UFRJ, UFF, UFMA, UFBA, UFPE, UFABC e UFES.
Vacina: Covaxin recruta voluntários para teste no Brasil; saiba como participar desse e mais 3 estudos
Isso significa que, em algum momento, prédios poderão ser fechados, atividades essenciais, como pesquisas que continuam mesmo na pandemia, pararão de ser realizadas e a possibilidade de um retorno presencial ainda em 2021 é descartada. Em algumas, até as aulas remotas podem parar.
Neste ano, a rede federal de educação superior possui R$ 4,3 bilhões para gastos discricionários. Desses, R$ 789 milhões (17%) ainda estão indisponíveis aguardando liberação do Ministério da Educação (MEC). Para resolver o problema, elas defendem que o orçamento suba para pelo menos o nível de 2020, de R$ 5,6 bilhões.
Covid-19: Produção de vacina em fábricas de imunizantes para animais esbarra em falta de parcerias
Essa verba, que chegou a ser de R$ 12 bilhões em 2011, é para despesas indispensáveis (como contas de água, luz, segurança e limpeza), investimentos (reformas, compra de equipamentos e insumos para pesquisas) e bolsas (auxílios para alunos pobres poderem continuar seus estudos).
A Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), por exemplo, afirma que consegue manter as atividades até setembro, uma vez que o corte representa três meses de despesas.
Leia mais: UFRJ terá que fechar prédios e desativar serviços como leitos para Covid-19 caso orçamento não seja desbloqueado
Já na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), reduziu 869 bolsas de pesquisa e diminuiu o valor das que pagam a assistência estudantil. Além disso, 307 funcionários terceirizados foram demitidos. Mesmo assim não vai dar. Com os cortes, o déficit da instituição subiu para R$ 13 milhões “tornando o funcionamento de parte das atividades no 2º semestre muito complicado”, segundo a reitoria.
Algumas instituições, como na UniRio, tiveram todo orçamento para investimentos cortado. Isso significa que não é possível, por exemplo, reformar alguns prédios históricos da instituição, como o Centro de Letras e Artes e o Centro de Ciências Jurídicas e Políticas, que chegam a ter partes interditadas por má conservação.
Veja também: Verba de universidades federais é igual a de 2004, mesmo com o dobro de alunos
“O orçamento discricionário da Unirio há muito já está abaixo do limite mínimo de suas despesas correntes e, diante da atual conjuntura imposta, inviabiliza o cumprimento de demandas, tais como o combate a incêndio e pânico, a acessibilidade, a eficiência energética, a tecnologia da informação e comunicação, as obras paralisadas (em especial a conclusão do prédio do Centro de Ciências Humanas e Sociais), a aquisição de mobiliários e equipamentos, a aquisição de livros e material didático e a aquisição de equipamentos para laboratórios”, afirmou a universidade.
O GLOBO procurou todas as 69 universidades federais para a reportagem. Além das 30 que alertaram para o risco de fechamento, 28 afirmaram que não correm esse risco, três preferiram não se posicionar e oito não responderam.
Leia mais: Vacinação contra a Covid-19 desacelera e estoque chega a 40 milhões
Calouros sem bolsa
Alunos que mal chegaram na universidade já sentem o peso dos cortes. Na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), o edital para assistência estudantil de quem ingressou em 2021 não pôde ser aberto por falta de orçamento.
Com isso, o futuro de Joana Darc da Cruz, moradora de Fortaleza de 22 anos, está incerto. Ela foi aprovada para o curso de Turismo da universidade em Jaguarão, no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai, a 4,5 mil km da capital do Ceará, mas só tem um celular para fazer as aulas.
Continue lendo: Universidades federais têm menor orçamento para alojamento e bandejão dos últimos dez anos
— Isso me deixa muito assustada. Não sei se terei Bolsa Permanência quando as atividades voltarem ao presencial, nem como serão minhas aulas remotas pois, no momento, não tenho notebook ou tablet — diz a jovem, que faz parte do movimento recém criado Estudantes por Assistência Estudantil Digna.
No Cefet do Rio, além de novos alunos, também não tem mais dinheiro para, a partir desse mês, pagar o auxílio permanência de quem já recebia. Morador de Mesquita, Thiago de Oliveira, de 19 anos, já não recebeu nenhuma parcela em 2021. Ele usava os R$ 400 para comprar materiais de estudo do curso de Engenharia Civil e ajudava a renda de casa.
Corte de verbas: UFF acumula perdas de R$ 439 milhões desde 2015, mas reitor garante que universidade não vai parar
— Moro só com a minha mãe, manicure, que perdeu muitas clientes. Como o custo da alimentação aumentou muito, está complicado sem o auxílio — conta o estudante.
Diretor-geral do Cefet no Rio, Maurício Mota afirma que a instituição está no limite e qualquer eventualidade a impedirá de chegar funcionando até o fim do ano:
— Imprevistos vão acabar acontecendo. Não sei de onde virão, nem o tamanho. Mas existirão. No fim do ano, não vamos ter oferecido a qualidade que o Cefet sempre teve.
Leia mais: Ministério da Saúde entregou apenas 60% das doses programadas
Outras universidades que ainda conseguirão chegar ao final do ano também antecipam que, nesta situação, haverá queda de qualidade. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, afirma que precisará suspender “diversos programas de apoio à pesquisa e à extensão”, o que, segundo a universidade, a torna “precarizada”.
Em nota, o MEC afirmou que a pasta “não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias” das instituições.
Colaborou Pâmela Dias
Bruno Alfano / OGlobo.globo.com