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Vinicius Junior foi alvo de ofensas racistas em vários jogos desta temporada de LaLiga

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Racismo no futebol europeu: novos casos e pouca responsabilização

Apesar das campanhas de prevenção e conscientização das principais ligas e da Uefa, episódios racistas continuam e até aumentam em alguns países; especialistas criticam ações dos clubes

Os episódios de racismo na elite do futebol da Europa aumentaram. Na Espanha, chegou-se a sete denúncias de insultos ao atacante Vinicius Junior só nesta temporada. A pouca responsabilização dos clubes, que por regulamento são encarregados pelo comportamento de suas torcidas, provoca a sensação de impunidade, de acordo com especialistas.

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Vinicius Junior foi alvo de ofensas racistas em vários jogos desta temporada de LaLiga — Foto: EFE

Vinicius Junior foi alvo de ofensas racistas em vários jogos desta temporada de LaLiga — Foto: EFE

ge procurou as cinco principais ligas da Europa (Bundesliga, LaLiga, Ligue 1, Premier League e Serie A), além da Uefa, para saber:

  • Qual o protocolo adotado quando há um episódio de racismo;
  • Quais as possíveis sanções a clubes, jogadores, técnicos e torcedores;
  • Quem julga esses casos posteriormente;
  • Qual o número de registros de racismo nos últimos anos.

Nenhuma apresentou estatísticas sobre os episódios racistas em estádios desde 2018 (LaLiga listou casos desde janeiro de 2020). Algumas esclareceram parte das questões e divulgaram programas de prevenção e conscientização. Nem todas mencionaram possíveis sanções aos clubes.

A reportagem foca nos aspectos no âmbito desportivo. Cada país adota uma política diferente para lidar com o problema.

— Há pouca punição. Demora muito para as grandes ligas fazerem alguma coisa, realizarem que há racismo. Elas deveriam fazer algo além de encaminhar para as autoridades. Nos preocupamos com punições, mas deveríamos ter atenção com as responsabilizações — disse Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.

Em fevereiro, antes do jogo entre Rayo Vallecano e Sevilla, times exibiram faixa antirracista — Foto: Getty Images

Em fevereiro, antes do jogo entre Rayo Vallecano e Sevilla, times exibiram faixa antirracista — Foto: Getty Images

LaLiga (Espanha)

LaLiga não tem poder para aplicar sanções, mas apresenta denúncias à Comissão Estatal contra Violência, Racismo, Xenofobia e Intolerância no Esporte da Espanha e a tribunais competentes. Esta comissão propõe punições administrativas, sem processo criminal.

De 13 denúncias apresentadas por LaLiga nos últimos anos, nove são relacionadas a Vinicius Junior. Não há informações sobre responsabilização dos clubes. Algumas investigações seguem em aberto, e três ligadas ao brasileiro foram arquivadas pela Justiça.

  • Insultos por parte da torcida do Barcelona(outubro de 2021): O Ministério Público decidiu arquivar o caso, “tendo em vista que não se conseguiu a identificação dos autores”.
  • Episódio no jogo contra o Mallorca (março de 2022): A Promotoria considerou que “a expressão e os sons emitidos, indubitavelmente típicos de atitudes profanas e desprezíveis”, não pareciam inicialmente “abranger a dimensão penal pública que se postula”.
  • Xingamentos antes e depois do clássico contra Atlético de Madrid(setembro de 2022): Arquivado. Entre os argumentos, o de que as ofensas teriam durado “alguns segundos”.

Em relação a dois casos mais recentes, nos jogos contra Valladolid e depois Mallorca, os torcedores foram punidos pela Comissão Estatal com multas de 4 mil euros e suspensões de recintos esportivos por 12 meses. O Valladolid suspendeu o título de sócio de 10 torcedores, e o Mallorca proibiu o seu de frequentar o estádio San Moix.

O mesmo torcedor do Mallorca que foi racista contra Vini Jr fez igual contra o nigeriano Chukwueze, do Villarreal.

Re

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— A dificuldade em identificar de forma confiável os autores pode atrasar o referido processo. Também é necessário sempre respeitar nos procedimentos todas as garantias legais que assistem os cidadãos em um Estado de direito como a Espanha. No entanto, a tarefa das forças e corpos do Estado neste sentido é constante e, sem dúvida, quando o autor ou autores dessas condutas forem encontrados, serão propostos para as sanções correspondentes — explicou a Comissão ao ge, em nota.

A comissão antirracismo teve reunião extraordinária com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional da Espanha e agora discute como estabelecer um marco de colaboração para perseguir condutas discriminatórias no futebol. A ideia é que infratores punidos administrativamente também respondam pela prática de crime.

Premier League (Inglaterra)

A equipe jurídica da liga inglesa investiga as denúncias e pode banir ou sancionar infratores. Ela também trabalha com autoridades policiais britânicas e europeias. Hoje, qualquer pessoa considerada culpada de abuso discriminatório está banida dos jogos da competição.

Foi o que aconteceu com um torcedor do Chelsea, no início deste mês. Ele foi banido por três anos, depois de fazer gestos racistas para o atacante Son, do Tottenham, em agosto do ano passado.

De acordo com a ONG “Kick it Out”, que luta contra a discriminação e atua junto à Premier League, houve 183 denúncias de racismo no futebol profissional inglês em 2021/22. Aumento de mais de 490% em comparação a 2020/21 (temporada em meio à pandemia de Covid).

Jogadores da Premier League voltaram a se ajoelhar contra o racismo em fevereiro — Foto: Reuters

Jogadores da Premier League voltaram a se ajoelhar contra o racismo em fevereiro — Foto: Reuters

A liga conta desde junho de 2020 com um sistema de denúncia para atletas e outros funcionários do futebol. O plano “No Room for Racism” (Sem Espaço para o Racismo) está em ação desde fevereiro de 2021.

A PL garante cobrar das empresas de redes sociais que o combate a abusos discriminatórios seja prioridade, através de programas de monitoramento e detecção de comentários na internet. Em fevereiro, o atacante Ivan Toney, do Brentford, foi alvo de insultos racistas online.

Os jogadores seguem com a manifestação de se ajoelhar antes do apito inicial, mas isso passou a acontecer em determinados momentos da temporada, ao invés de toda partida. Os clubes são obrigados a exibir nas mangas a logo da iniciativa “No Room for Racism”.

A punição para ações discriminatórias por parte de jogadores, técnicos ou membros da comissão pode chegar a 12 jogos, segundo as regras da federação inglesa de futebol (FA). Os clubes são responsáveis pela conduta dos torcedores (indivíduos ou grupos), e as multas variam de 20 mil a 300 mil libras (R$ 123,5 mil a R$ 1,8 milhão).

Bundesliga (Alemanha)

A Liga de Futebol da Alemanha (DFL), que representa a primeira e a segunda divisão do país (Bundesligas 1 e 2) informou que o monitoramento de casos e o estabelecimento de sanções são atribuições da Federação Alemã de Futebol (DFB).

A DFB, por sua vez, declarou em nota que “não houve incidente de ataque racista nos últimos cinco anos na Bundesliga”. As penas por lá variam desde a retirada de pontos do time acusado, jogos com portões fechados, rebaixamento, até o banimento temporário do futebol profissional.

Mas o futebol alemão teve episódios de racismo fora da Bundesliga. Em fevereiro de 2020, o Schalke 04 foi multado em 50 mil euros (R$ 236 mil na época) pelos cânticos racistas de parte de seus torcedores ao jogador Jordan Torunarigha, do Hertha Berlin, na Copa da Alemanha.

Torunarigha foi alvo de insultos racistas durante um jogo de 2020 da Copa da Alemanha — Foto: Divulgação / DFB

Torunarigha foi alvo de insultos racistas durante um jogo de 2020 da Copa da Alemanha — Foto: Divulgação / DFB

Em março de 2021, o meio-campista Jude Bellingham foi alvo de ofensas racistas na internet, após o empate do Borussia Dortmund com o Colônia, pelo Campeonato Alemão. No início do ano passado, em entrevista à CNN, o jovem inglês reclamou da falta de apoio da DFB.

O ex-goleiro Jens Lehmann foi demitido da direção do Hertha Berlin em maio de 2021 por causa de uma mensagem racista no WhatsApp para o ex-jogador Dennis Aogo.

Mais recentemente, em setembro do ano passado, torcedores do Eintracht Frankfurt tiveram comportamento racista durante o jogo contra o Olympique de Marselha, pela Champions League, fora de casa. Alguns deles fizeram saudações nazistas. O clube foi punido com multa de 15 mil euros e um jogo com portões parcialmente fechados.

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Eintracht Frankfurt também foi multado em 30 mil euros pelos fogos contra o Olympique — Foto: Getty Images

Eintracht Frankfurt também foi multado em 30 mil euros pelos fogos contra o Olympique — Foto: Getty Images

Ligue 1 (França)

A Liga de Futebol Profissional da França, responsável pelas duas primeiras divisões (Ligues 1 e 2) tem oficiais em todos os jogos, com a responsabilidade de relatar incidentes racistas, dentro ou fora de campo.

Os relatórios são entregues ao Comitê Disciplinar da entidade, que identifica as violações de clubes e relacionados, determina o grau de responsabilidade e se pronuncia sobre as infrações.

Essa comissão se reúne após cada rodada do Francês e sanciona os envolvidos. As punições incluem advertências, incentivo para oficinas de conscientização, multas ou fechamento de arquibancadas.

A LFP também pode dar entrada em processo criminal. Foi o que aconteceu em agosto de 2021 no polêmico jogo entre Nice e Olympique de Marselha, pela Ligue 1. Um torcedor fez uma saudação nazista, foi identificado e, após a ação da Justiça, foi sentenciado a um mês de prisão e três anos de afastamento de estádios.

Torcida do Nice invadiu o gramado no jogo contra o Olympique de Marselha, em agosto de 2021 — Foto: Getty Images

Torcida do Nice invadiu o gramado no jogo contra o Olympique de Marselha, em agosto de 2021 — Foto: Getty Images

Antes disso, em abril de 2019, o jogo entre Dijon e Amiens foi interrompido porque um torcedor ofendeu o zagueiro Prince Gouano com palavras racistas e o chamou de “macaco”. Ele chegou a ser detido.

Mais recentemente, o comitê disciplinar abriu investigação sobre incidente ocorrido em outubro de 2022, no jogo entre Clermont e Brest. Johan Gastien teria insultado Islam Slimani em campo. A comissão considerou que não havia elementos suficientes e não aplicou sanções.

A reportagem do ge tentou entrar em contato com a Liga Internacional contra o Racismo e o Anti-Semitismo, organização francesa parceira da LFP no assunto, mas não obteve retorno.

Serie A (Itália)

Todos os episódios de racismo na Itália apurados pelos fiscais do Ministério Público Federal ligados à Federação Italiana de Futebol (FIGC) são relatados à Justiça desportiva. Há sanções ordinárias e esportivas.

Os regulamentos da federação determinam que os clubes são responsáveis pelo comportamento de seus torcedores e obrigados a tomar medidas preventivas contra comportamentos racistas.

Se o jogador cometer a infração discriminatória, ele é suspenso por pelo menos 10 jogos, e multado entre 10 mil e 20 mil euros. Aos clubes, em caso de primeira infração, a pena mínima é um jogo com portões fechados. Dependendo da gravidade do episódio, as sanções podem ser maiores, como por exemplo exclusão da Serie A.

Umtiti foi alvo de cânticos racistas na vitória do Lecce sobre a Lazio — Foto: Getty Images

Umtiti foi alvo de cânticos racistas na vitória do Lecce sobre a Lazio — Foto: Getty Images

Indivíduos reconhecidos por crimes raciais também podem ser proibidos de frequentar estádios, por até cinco anos, com a obrigação de se apresentar em uma delegacia da polícia em dias de jogo.

A liga italiana promove a campanha antidiscriminação “Keep Racism Out” (Mantenha o Racismo Fora), em parceria com o Gabinete Nacional de Combate à Discriminação Racial da Itália. As próximas duas rodadas do campeonato terão ações da campanha, nos estádios e nas redes sociais.

Apesar dessas medidas, atos racistas continuam a ocorrer.

  • Em 2019, o atacante Moise Kean foi alvo de xingamentos da torcida do Cagliari, em jogo da Juventus pelo Campeonato Italiano.
  • Jogadores do Napoli foram chamados de “macacos fod…” pela torcida da Fiorentina, em outubro de 2021.
  • Em março do ano passado, torcedores do mesmo Cagliari ofenderam o goleiro Maignan e o zagueiro Tomori, do Milan.
  • Em janeiro deste ano, torcedores da Lazio entoaram cânticos racistas contra jogadores do Lecce, em especial Umtiti.

Casos de racismo: quais os protocolos

A Fifa estabeleceu em 2019 código disciplinar que deu mais poderes aos árbitros contra o racismo. Foi criado procedimento de três etapas:

  1. Parar o jogo e pedir anúncio público para encerrar imediatamente o comportamento racista.
  2. Suspender a partida e mandar os jogadores para os vestiários, seguido de novo anúncio para os torcedores.
  3. Abandonar o jogo, sempre explicando e solicitando a saída.

Nos regulamentos da Uefa, qualquer pessoa que insultar outra pela sua cor ou raça incorre suspensão por pelo menos 10 jogos ou por “um determinado período de tempo, ou qualquer outra sanção apropriada”.

Se um ou mais torcedores apresentarem esse comportamento, a federação ou clube responsável pega no mínimo fechamento parcial do estádio e multa. O comitê disciplinar da Uefa pode impor outras medidas, como um ou mais jogos de portões fechados, a suspensão da partida, dedução de pontos ou a desqualificação da competição.

Na temporada passada, a Uefa monitorou 2,876 jogos com foco no racismo, e 17 incidentes tiveram sanções. Procurada pelo ge, a confederação não detalhou quais foram esses casos. E em 2021/22, só 33% das federações afiliadas tinham implementando estrutura antirracista.

— De acordo com a Fifa, clubes devem ser multados se algum torcedor tiver comportamento racista. A responsabilidade vai além da jurídica, eles têm que trabalhar com os torcedores, ter clara política “tolerância zero”. E se as ligas ou clubes não tomarem ações sérias, é responsabilidade das federações fazer isso — disse Kurt Wachter, ex-coordenador da Rede contra o Racismo no Futebol Europeu (FARE), entre 1999 e 2010.

E no Brasil?

Em fevereiro, a CBF instituiu punições por racismo em competições no Brasil. Há previsão de multa de até R$ 500 mil, perda de mando de campo, jogo com portões fechados ou retirada de pontos.

O Observatório da Discriminação Racial no Futebol monitorou cerca de 90 denúncias de racismo no futebol brasileiro em 2022. Em 2021 foram 64 denúncias, ou seja, houve aumento de 40%.

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CBF estabelece punições mais rigorosas a casos de racismo no futebol brasileiro

Por Rodrigo Lois — Rio de Janeiro

Ge.globo.com

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