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Cláudio Roberto Sousa correu eliminatórias nas Olimpíadas de Sydney 2000

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Brasileiro receberá medalha olímpica com 20 anos de atraso

Cláudio Roberto Sousa correu eliminatórias nas Olimpíadas de Sydney 2000 no 4x100m do atletismo, mas jamais recebeu a distinção; decisão do COI veio após pedido do COB

Na noite de 30 de setembro, ele se acomodou entre atletas e treinadores e encarou a pista do estádio. Repassou as trocas de bastão, ponto forte da equipe nacional, e fez uma rápida releitura dos principais adversários. Estava seguro: o revezamento 4x100m brasileiro provaria seu valor no esporte do país.

Cláudio Roberto Sousa, então com 27 anos, não estava escalado para correr naquela noite, mas observava e assimilava tudo da arquibancada. Como reserva do time nacional, havia disputado a eliminatória da prova no dia anterior. Naqueles minutos antes do tiro de largada, sua função era transmitir, da arquibancada, boas energias aos titulares Vicente Lenilson, Edson Luciano, André Domingos e Claudinei Quirino.

O ex-velocista Cláudio Roberto Sousa — Foto: Divulgação

O ex-velocista Cláudio Roberto Sousa — Foto: Divulgação

Pontualmente às 20h05, no horário local, o árbitro deu a partida. Vicente largou com força, entregou o bastão entre os primeiros colocados a Edson, que acelerou na reta e, depois de 100m, passou o artefato a André, que irrompeu na segunda curva até chegar a Claudinei, que pegou o bastão em terceiro e imprimiu uma aceleração incrível até cruzar a linha de chegada. Rapidamente, os olhares de Cláudio se dirigiram ao telão do estádio.

Segundos de apreensão se passaram lentamente, como se fossem horas, até a confirmação. O Brasil, com o tempo de 37s90, era medalha de prata nas Olimpíadas de Sydney, atrás dos Estados Unidos (37s61) e logo à frente de Cuba (38s04). O Brasil de Vicente, de Edson, de André, de Claudinei. E de Cláudio.

Cláudio Roberto Souza no Mundial de Paris, em 2003 — Foto: FRANCOIS XAVIER MARIT / AFP

Cláudio Roberto Souza no Mundial de Paris, em 2003 — Foto: FRANCOIS XAVIER MARIT / AFP

Mesmo sendo reserva e tendo corrido apenas a eliminatória da prova, Cláudio teria direito à medalha. Só não foi ao pódio naquele momento porque o protocolo restringe a cerimônia aos quatro atletas que correm a final.

Naquela noite de 30 de setembro de 2000, um sábado, penúltimo dia das Olimpíadas, o quarteto titular brasileiro foi premiado, e a Cláudio foi dada a promessa de que sua medalha seria entregue mais tarde.

E Cláudio esperou. Exatos 7.158 dias, ou mais de 235 meses, para enfim saber que receberia sua aguardada medalha, em uma história incrível de falhas, reviravoltas e um final feliz com jeito de filme.

Cláudio Roberto nas eliminatórias do 4x100m em Sydney 2000 — Foto: Reprodução

Cláudio Roberto nas eliminatórias do 4x100m em Sydney 2000 — Foto: Reprodução

Para entender como se desenrolou este enredo, é preciso voltar àquela noite de 30 de setembro de 2000. Quando o quarteto brasileiro do 4x100m subiu ao pódio para receber as medalhas de prata, Cláudio foi informado de que receberia a dele “nos bastidores”. Porém, como a equipe partiria de volta para o Brasil no dia seguinte para comemorações e homenagens, o piauiense acabou avisado por autoridades da delegação que deveria receber a distinção em solo nacional.

O velocista chegou ao país, participou de festejos em carro aberto e solenidades, ganhou reconhecimento. Foi incluído em um programa da Caixa Econômica Federal, empresa que patrocina o atletismo brasileiro, chamado “Heróis Olímpicos”. Seu nome passou a constar da relação de medalhistas nos sites oficiais do COI (Comitê Olímpico Internacional) e do COB (Comitê Olímpico do Brasil).

A medalha, porém, jamais foi entregue em suas mãos.

Após meses da volta das Olimpíadas e sem receber informações Cláudio procurou o COB, à época presidido por Carlos Arthur Nuzman. A entidade lhe disse que a medalha não havia sido pega em Sydney e que havia indagado o COI, que por sua vez teria afirmado que a responsabilidade de prover as medalhas era do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de Sydney.

De perfil discreto e recatado, pouco afeito a disputas, o velocista aceitou a guerra de versões e esperou pela medalha, que nunca veio. A vida seguiu e, ainda entre os melhores corredores do país, ele fez parte dos revezamentos 4x100m medalhista de prata no Mundial de Paris e de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, ambos em 2003.

O pin que foi entregue a Cláudio Roberto, em 2003 — Foto: Reprodução

O pin que foi entregue a Cláudio Roberto, em 2003 — Foto: Reprodução

– Eu assisti àquela prova em Sydney do lado de fora, né? Eu tenho orgulho daquele time ter ganhado a medalha. E eu fiz parte daquele time. Eu corri naquele time – afirmou Cláudio, quase 20 anos depois.

– Por que não subir todos ao pódio, inclusive os reservas? É assim no futebol, no basquete, no vôlei. Todo mundo sobe ao pódio e recebe sua medalha. Eu fiquei imaginando que a minha medalha iria vir com eles. Mas isso não aconteceu – complementou.

Naquele Pan de 2003, já quase três anos depois das Olimpíadas de Sydney, um dirigente do COB aproximou-se e entregou a Cláudio um pin (broche) – destinado aos medalhistas olímpicos. Disse que era uma maneira de o COI reparar a injustiça.

O velocista aceitou o prêmio com resignação. Quando era chamado para palestras, geralmente levava o pin olímpico e medalhas de outros campeonatos que disputou para mostrar no lugar da olímpica que não tinha. Cláudio ainda disputou os Jogos Olímpicos de 2004, em Atenas, e se aposentou das pistas quatro anos depois, em 2008.

Vicente Lenílson, Edson Luciano, André Domingos e Claudinei Quirino no pódio em Sydney 2000 — Foto: J. F. DIORIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Vicente Lenílson, Edson Luciano, André Domingos e Claudinei Quirino no pódio em Sydney 2000 — Foto: J. F. DIORIO/ESTADÃO CONTEÚDO

Com o fim da carreira, Cláudio foi aos poucos abandonando a ideia de que se tornaria um medalhista olímpico de fato. Manteve o assunto restrito à família e poucos amigos com os quais tinha conexão no atletismo.

A primeira reviravolta ocorreu em 2016. Comovidos com a injustiça, André Domingos e Arnaldo Oliveira (medalhista de bronze no revezamento 4x100m nas Olimpíadas de Atlanta, em 1996) produziram e deram ao piauiense uma réplica da medalha de prata de Sydney, com o aval da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo).

Na cerimônia em São Paulo na qual recebeu a láurea, Cláudio afirmou que estava “vivendo um sonho”. Radicado na cidade paulista de Jaú, onde trabalhava com um projeto social, o ex-velocista disse que, com aquela lembrança, ficava “tão feliz” que nem sabia o que falar.

Cláudio, Vicente Lenílson, André Domingos, Edson Luciano e Claudinei Quirino em 2017 — Foto: Reprodução

Cláudio, Vicente Lenílson, André Domingos, Edson Luciano e Claudinei Quirino em 2017 — Foto: Reprodução

A segunda reviravolta veio três anos mais tarde, no final de 2019. O vice-presidente da atual gestão do COB, Marco Antônio La Porta, soube da história ao se encontrar com Cláudio em um evento em Teresina – para onde o ex-velocista se mudou em 2018. Levou o tema ao diretor de esporte do comitê olímpico, Jorge Bichara, que, egresso do atletismo, achou que era hora de ressuscitar a história.

O COB então entrou em contato com o COI para checar a possibilidade de se reavaliar o caso. Por quatro meses, os dois comitês trocaram ofícios e promoveram reuniões. Até que em 6 de maio deste ano, ou 7.158 dias depois de o ex-velocista brasileiro adquirir o direito de botar no peito uma medalha olímpica de prata, o COI comunicou o COB de que encaminhará a honraria até o fim do verão europeu – entre agosto e setembro. Também enviará um novo pin e um diploma de medalhista olímpico.

– Aceitamos, portanto, seu pedido por uma nova medalha para o sr. Souza e, para este efeito, nós instruímos o Museu Olímpico a iniciar o processo de confecção da medalha. Devido à situação excepcional que envolve a Covid-19, nós só seremos capazes de enviar a medalha, o diploma de medalhista e o broche ao final do verão de 2020 e contamos com sua compreensão a respeito – disse o COI em ofício ao qual o Fantástico e o GloboEsporte.com tiveram acesso (leia a íntegra traduzida abaixo).

O Museu Olímpico do COI pode proceder de duas formas: fabricar medalhas novas a partir de moldes de Olimpíadas passadas ou então conceder alguma das que deixa em estoque. No caso de Cláudio, o mais provável é que seja enviada uma guardada.

– Dentro do mundo olímpico, essa comunicação do Comitê Olímpico Internacional representa muito. Representa a certeza de que essa medalha vai ser entregue, que essa falha vai ser corrigida, que a justiça vai ser feita. E essa medalha que nunca chegou ao Brasil vai poder ser entregue – disse Bichara.

Cláudio em eliminatória dos 200m rasos em Atenas 2004 — Foto: Reprodução

Cláudio em eliminatória dos 200m rasos em Atenas 2004 — Foto: Reprodução

Cláudio, hoje com 46 anos, foi informado na última sexta-feira que, enfim, se tornará medalhista olímpico.

– Eu só tenho a agradecer. Todo mundo fala que eu sou passivo em relação a isso, mas graças a Deus essa passividade faz com que pessoas falem por mim – disse o ex-atleta.

A única condição imposta pelo COI é a de que a réplica dada ao piauiense em 2016 seja remetida à sede da entidade, na Suíça, para que não haja duplicidade. Quando a nova medalha chegar, e a pandemia do novo coronavírus arrefecer, o COB promete fazer uma solenidade para entregá-la a Cláudio.

– O COI analisou o caso, aceitou os argumentos do COB, esclareceu algumas dúvidas e teve sensibilidade e senso de justiça para entender que uma falha precisava ser reparada. Foram atenciosos ao assunto e decidiram pela melhor solução para o atleta. Esse medalha vem fechar um capítulo bonito de nossa história olímpica que, de certa forma, estava incompleto – acrescentou Bichara.

Curiosamente, em um ano em que a Covid-19 paralisou o esporte e causou o adiamento das Olimpíadas de Tóquio, é bem provável que a única medalha a ser concedida pelo COI seja a de Cláudio, medalhista por direito. E, agora, de fato.

– São vinte anos à espera dessa carta. Eu nunca deixei aparente [minha frustração], mas lá no meu íntimo eu sabia que isso poderia acontecer – afirmou o, a partir de agora, medalhista olímpico.

Veja a íntegra do ofício do Comitê Olímpico Internacional

Ao sr. Paulo Wanderley Teixeira
Presidente
Comitê Olímpico do Brasil
Av. das Américas, 899
Barra da Tijuca
Rio de Janeiro
Brasil

Resposta: Claudio Roberto Souza – Atletismo – Medalhista de prata em Sydney 2000

Caro presidente,

Obrigado por sua carta datada de 15 de abril referente ao tópico acima.

Nós tomamos ciência da pesquisa feita pelo Comitê Olímpico do Brasil a respeito do sr. Souza e as conquistas dele nos Jogos Olímpicos de Sydney 2000. Após discussões com seu comitê olímpico nacional e a condução de uma pesquisa própria sobre este assunto, nós reconhecemos que o atleta não recebeu uma medalha autêntica nos Jogos Olímpicos de Sydney 2000.

Aceitamos, portanto, seu pedido por uma nova medalha para o sr. Souza e, para este efeito, nós instruímos o Museu Olímpico a iniciar o processo de confecção da medalha. Devido à situação excepcional que envolve a Covid-19, nós só seremos capazes de enviar a medalha, o diploma de medalhista e o broche ao final do verão de 2020 e contamos com sua compreensão a respeito.

O COI também está ciente de que o sr. Souza recebeu uma réplica da medalha, que não foi aprovada pelo COI ou pelo Comitê Olímpico do Brasil, em 2016. Nós gentilmente pedimos que o Comitê Olímpico do Brasil recupere esta réplica da medalha com o sr. Souza e a envie para o COI. Depois de recebê-la, enviaremos a nova medalha, o diploma de medalhista e o broche.

Nós lhe agradecemos por sua cooperação neste assunto e estamos gratos por saber que o sr. Souza finalmente receberá sua medalha autêntica. Caso haja quaisquer questões em relação a este procedimento, por favor não hesite em nos contatar.

Atenciosamente,

James MacLeod,
Diretor do Solidariedade Olímpica e das Relações com Comitês Olímpicos Nacionais

Por Guilherme Pereira e Paulo Roberto Conde — São Paulo
Globoesporte.globo.com

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