Esporte
Aos 78 anos, Antônio Lopes está de volta ao Vasco
Lopes tentou levar Gamarra para o Vasco, domou o novato Romário em disputa com Dinamite e aponta o melhor: “Edmundo foi f…”
Em 2017, em entrevista ao GloboEsporte.com, novo coordenador-técnico repassou a carreira e recordou passagem em São Januário. Conheça a vitoriosa trajetória do “Delegado”
Aos 78 anos, Antônio Lopes está de volta ao Vasco. Vai trabalhar no clube pela sétima vez. Agora em nova função, como coordenador-técnico. Vice-artilheiro do Carioca juvenil em 1957, o ex-delegado de polícia tem mais de 60 anos envolvido no esporte – com uma breve pausa na década de 60 quando dedicou-se exclusivamente à função na segurança pública.
Ao longo da carreira, trabalhou com craques e acumula histórias. Muitas delas durante as seis passagens como treinador do Vasco, onde comandou o time em mais de 600 jogos e se tornou um dos técnicos mais vitoriosos da história do clube.
Títulos de Lopes pelo Vasco
- Libertadores (1998)
- Brasileiro (1997)
- Torneio Rio- São Paulo (1999)
- Carioca (1982, 1998 e 2003)
Há pouco menos de três anos, então gerente de futebol do Botafogo, Lopes repassou a carreira em conversa com o GloboEsporte.com. No bate-papo de 50 minutos, foi impossível abordar todos os assuntos. Com pressa, ele deixou a entrevista quando o tema foi a ausência de Romário na Copa de 2002. Ainda assim, deixou claro que queria o Baixinho no Mundial e foi voto vencido.
Lopes também relembrou os primeiros passos de alguns craques do futebol brasileiro (Romário, Edmundo, Dener…, confessou frustração por não ter sido convidado para técnico da Seleção em 2002 e, indagado se Romário foi o melhor com quem trabalhou, deixou a dúvida no ar: “O Edmundo foi f…”.
Abaixo relembramos a entrevista, originalmente publicada em 21 de junho de 2017.
Você já fez de tudo no futebol. Inclusive foi atacante do Olaria…
Joguei nas categorias de base do Olaria e fiquei dois anos no profissional. Eu era titular dos “aspirantes”, mas não do profissional. Eu fazia gol, mas não ia longe na carreira. Meu pai foi muito inteligente. Ele disse: “Para com isso, vai cursar Educação Física. Vai ser melhor”. Ele via meus jogos e percebeu que não ia dar. Eu marcava meus golzinhos, tipo o Luizão, que dava porrada nos zagueiros (risos). Mas acho que eu não teria futuro.
O Tostão, recentemente, falou que acha que o amadorismo e a falta de responsabilidade dos jogadores, antigamente, eram bem maior. Ele falou que os jogadores costumavam sair toda noite. Acha que antigamente isso era pior?
Acho que era pior. Não tínhamos muito controle. Acho, com a tecnologia e redes sociais, é mais difícil para o jogador. Antigamente era muito comum o cara fugir da concentração. A gente descobria, mas nem sempre. Hoje já é mais difícil. É quase impossível um jogador fugir da concentração. Os atletas concentram no CT ou em hotéis, o que facilita o controle.
Você sempre diz que se deu bem com Romário e Edmundo.
Sim, comigo era fácil. Os dois sempre me respeitaram. Puxei eles para mim. Eu os tratava bem, e eles nunca criaram um problema para mim. Nem Romário, nem Edmundo, nem o Dener, que também trabalhei. O Felipe também. Não deram problema comigo.
Era uma rebeldia diferente daquelas de hoje em dia?
Era. Mas também dependia muito do treinador. O treinador que soubesse levar esse “bad boys” não tinha problema. Mas tinham uns caras com medo de enfrentar os jogadores, não conversavam. Eu procurava trazer o jogador para mim e me dava bem.
O Dener dava muito problema?
Não deu problema justamente porque fui eu quem subi o garoto. Quando cheguei na Portuguesa, o Mario Fofoca (conselheiro) era olheiro do clube. Ele trazia muitos garotos, tinha um olho clínico muito bom. Ele me procurou e disse que tinha um garoto muito bom, que não estava federado e nem jogava na base. Ele disse que o garoto jogava muito, mas era de uma comunidade muito carente. Ele disse que o Dener tinha feito mal (engravidado) a uma garota, que estava esperando neném dele. Como o Dener não ganhava nada na Portuguesa, saiu para jogar futsal fora para ganhar uma graninha para se sustentar. Pedi para ele trazer o garoto para darmos uma olhada.
Dener subiu com Antônio Lopes na Portuguesa — Foto: Agência Estado
E como foi o primeiro contato?
O sacana tinha um olho bom mesmo. Ele trouxe o Dener para um coletivo. Chegou lá magrinho, com as pernas meio tortas. Pensei: “Ih c… Esse moleque não deve jogar p… nenhuma”. Mas demos uma chance. Ele ficou de fora. Quase no final, o Portela (preparador físico) me lembrou sobre o garoto. Coloquei o Dener em campo. Na primeira bola, ele deu uma caneta no Wladimir, um zagueiro que batia para c…. No lance seguinte, deu um chapéu no Wladimir. Jogava muito. Segurei o Dener.
E a partir daí?
Após o treino, o chamei no canto e disse que ele ficaria na Portuguesa. Disse que iríamos tirá-lo da comunidade, falei com o presidente, um português, expliquei a situação. Disse que queria ficar com o Dener no time principal. O português foi lá, acertou tudo e arrumou um apartamento para o Dener morar com a esposa grávida.
A Portuguesa chegou até a fase semifinal do Brasileiro contigo (terminou em 7°)…
Levei o Roberto Dinamite e formamos um time bom. Levei o Roberto, Lira, Zanata, tinha Biro-Biro, Capitão… Timaço. Você vê que o time era bom que ainda lembro disso. O Dinamite estava morto no Vasco. Eu o levei para a Portuguesa, e ele desatou a marcar gols. O meio de campo era Capitão, Biro-Biro e Toninho, um meia-atacante muito bom. Na frente, o Jorginho, que hoje é treinador, Roberto Dinamite e Lê. Perdemos na semifinal para o (grupo que tinha o) São Paulo, que foi à final com o Vasco. No primeiro jogo que coloquei o Dener, o Roberto falou: “Porra, esse guri não tem só 18 anos não. Ele é muito experiente, joga muito”. Pronto.
No primeiro jogo do Dener, contra o Grêmio, no Olímpico, ele acabou com a vida do Alfinete, lateral-direito. Ele botou para quebrar, destruiu o Alfinete, ganhamos por 2 a 0. Depois do jogo, o Dener, sempre muito malandro, foi no Alfinete e ameaçou trocar a camisa. O Alfinete deu a dele, e o Dener falou: “Pô, é meu primeiro jogo e não sei o quê. Não posso te dar essa camisa”. Depois o malando me contou isso (risos). Comigo ele foi muito legal.
Antônio Lopes no banco de São Januário ao lado de Calçada; na Copa de 2002 com Felipão; e nos raros tempos de jogador — Foto: Arquivo Pessoal
Você sempre revelou muitos jogadores…
Romário, Edmundo, Mazinho…
É verdade que o Romário queria barrar o Dinamite?
Fizemos uma pré-temporada no Espírito Santo, em 1985. Fizemos vários amistosos na preparação. Eu tinha recém-promovido o Romário. O Roberto (Dinamite) já estava no final de carreira. Mas eu sempre iniciava com o Roberto, que era o titular. O ataque do Vasco era Mauricinho, Roberto e Silvinho, um ponta-esquerda muito habilidoso de Niterói. O meio de campo era Vitor, Geovanni e Mazinho.
O Romário sempre entrava no segundo tempo e metia gol. Ele já era muito marrento e falava: “Pô, professor. Jogo mais que o Roberto. Você tem que me colocar. Ele já está velho”. Eu falei: “Calma, guri. Sua hora vai chegar. O cara ainda está fazendo gol”.
No penúltimo amistoso, o Silvinho se machucou, e eu não tinha outro ponta-esquerda. Resolvi colocar o Romário, que estava fazendo gol atrás de gol. Falei que ele entraria no lugar do Silvinho. Ele não gostou e disse que não era ponta-esquerda. Aí eu f… ele. Falei: “Você vai ser um segundo centroavante pelo lado esquerdo”. Ele me olhou desconfiado. Ponta-esquerda, naquela época, jogava com a camisa 11. Por isso ele eternizou a camisa 11, que era a única camisa que tinha sobrado (gargalhada).
Mudei um pouco os posicionamentos do Mazinho e do Vitor para o Romário não precisar voltar tanto. Falei para o Roberto recuar um pouco e jogar de frente para os zagueiros. Os zagueiros não sabiam o que fazer. Se saiam atrás do Roberto ou esperavam. O Romário e o Mauricinho estravam em diagonal. O Baixinho desatou a marcar gols, mas o Mauricinho perdia gol para car… Nessa época levei até os dois lá nos (igreja) Capuchinhos, na Haddock Lobo (Tijuca). O time começou a golear todo mundo e ganhamos a Taça Guanabara de 1986.
O Romário foi o melhor jogador que você viu de perto?
O Edmundo também foi muito bom. O Edmundo foi f…
Você trabalhou com ele no auge, em 1997…
Foi ali que ele estourou. Antes passou por Palmeiras (Flamengo e Corinthians também). Em 1997 ele marcou 29 gols no Brasileiro. Jogou demais. Quando o peguei em 1997, ele jogava mais atrás, como meia. Ele driblava todo mundo no meio de campo, e todo mundo sentava a porrada nele. Falei com ele: “Malandro, você vai jogar enfiado na área. Você vai ficar perto do gol, os caras vão fazer falta e pênalti em você”. O Evair ficou p… comigo, disse que sempre tinha jogado como centroavante. Mas casou perfeito.
Acabei fazendo no Vasco o que os todos os clubes hoje estão usando, nesse 4-2-3-1. Era Maricá e depois o Valber na direita. Depois Odvan, Mauro Galvão, Felipe, Luizinho, Nasa. Na linha de três tinha o Evair pelo meio, o Juninho pela direita e o Ramon pela esquerda. Na frente, o Edmundo. Os que os caras fazem hoje eu fiz há 30 anos.
Momento família em comemoração de aniversário, com Vanderlei Luxemburgo ao fundo. Luxa foi seu auxiliar no começo da carreira — Foto: Arquivo Pessoal
Você sempre mexeu muito em posição de jogador. O Leonardo, por exemplo, era ponta-esquerda no Flamengo.
Puxei o Leonardo, com 17 anos, para a lateral esquerda. Trabalhei só no primeiro jogo da Copa União (1987). Sai porque fiquei chateado com algumas coisas da base. Com o Leonardo, mesmo, deu confusão. Tinha o Malhado, lateral da seleção de base. Mas eu resolvi puxar o Leonardo. Passei a observá-lo nos treinos dos reservas contra o sub-20. Fazia isso para ver a base mais de perto. Ele era ponta reserva nos juniores. Ele arrebentou nos treinos. Falei que ele parecia o Leandro de perna esquerda.
O Adalberto, titular da lateral no profissional, quebrou a perna. Tinha o Airton, um lourinho que veio do São Paulo… Ele era muito bom, mas estava gordo para c…. Uns 100 quilos. Aí puxei o Leonardo e falei que ele jogaria na lateral. Ele não se sentiu à vontade, mas mandei ele atacar à vontade e tentar recompor, passei algumas dicas. O Jorginho jogava na direita. A zaga era Leandro e Aldair. Eu tinha barrado o Edinho.
Antonio Lopes com Juninho, em 1997 — Foto: Raimundo Valentim / Agência Estado
O Leonardo entrou e arrebentou em um amistoso contra o Bahia, na Fonte Nova. O (Orlando) Fantoni, treinador do Bahia, ficou impressionado. Quando voltamos ao Rio, o Marcio Braga (então presidente do Flamengo) me chamou e falou que o Barão (Ivan Drumont – coordenador da base) estava reclamando que eu tinha puxado o reserva dos juniores antes do Malhado, que era o titular. Falei que foi a minha opção. Sempre que eu encontrava o Marcio Braga, depois que saí do Flamengo, eu gritava: “Olha lá onde ele está. Olha o que eu fiz para o Flamengo”. Sacaneava mesmo. A gente ria.
É verdade que você indicou o Gamarra para o Vasco, mas o clube não quis?
Em 1995, quando eu era técnico do Cerro Porteño, o presidente me chamou um dia, disse que o clube passava por problemas financeiros e pediu para que eu oferecesse o Gamarra a clubes brasileiros. Ele tinha que resolver esse problema e queria vender o Gamarra. Então eu ofereci ao Vasco. Falei com o (Antônio) Calçada (ex-presidente do Vasco). Ele consultou a comissão técnica e recusou, não teve interesse. Uma semana depois, o Pedro Paula Zaquia (ex-presidente do Inter), com quem eu já tinha trabalhado, me ligou perguntando se eu não tinha um zagueiro para indicar. Coloquei os presidentes em contato, e o Gamarra foi para o Inter. Ele já jogava essa bola toda. Era muito bom jogador. Ele e o Enciso, que depois também foi parar no Inter.
O Jair Ventura foi outra aposta sua no Botafogo?
Eu dei a minha opinião. Mas quem assumiu tudo foi o próprio presidente (Carlos Eduardo Pereira). Naquele momento não adiantava nada trazer um treinador de fora. O Ricardo Gomes já tinha começado um trabalho. O Jair, pelo fato de estar presente, conhecia o trabalho e poderia dar sequência. Se vem um outro, começaria do zero. Ia demorar a acertar a equipe. Mas quem foi o principal responsável pelo Jair foi o presidente.
No Inter, além da Copa do Brasil, você teve uma história marcante com o Gérson.
O Gérson foi muito importante na conquista da Copa do Brasil de 1992, meu primeiro título nacional. Era um jogador extraordinário, canhoto, goleador, bom nas bolas áreas… Como fazia gols de cabeça. Foi uma sensação na competição. No meio da Copa do Brasil, descobrimos que ele estava com Aids. O presidente me chamou para comunicar e perguntar o que deveríamos fazer. Era a época do Magic Johnson (astro da NBA diagnosticado com Aids).
Foi complicado, mas os outros jogadores aceitaram tranquilamente. Na época, tinha-se um preconceito muito grande. Mas os jogadores aceitaram bem, a direção colocou todos os médicos à disposição do Gerson. Acabou correndo tudo bem, ele viveu mais um tempo e foi muito importante para o Inter. Isso me marcou bastante, pois fizemos uma boa amizade. Ganhamos a Copa do Brasil e o bicampeonato gaúcho.
Em 2000, quando você recebeu o convite do Ricardo Teixeira, te surpreendeu ter sido chamado para coordenador e não para treinador da Seleção?
Quando o Ricardo me ligou, eu estava no Atlético-PR. Estava em Campinas para um jogo contra a Ponte Preta. Recebi o telefonema no vestiário, antes do jogo. O Ricardo disse que precisava falar comigo. O Vanderlei Luxemburgo tinha saído, e o time tinha sido dirigido (contra Venezuela) pelo Candinho, então auxiliar. Pensei que seria o treinador da Seleção e vim logo para o Rio, todo animado.
Jornal O Globo após a conquista da Libertadores de 1998 pelo Vasco — Foto: Acervo O Globo
E como foi o contato?
Um motorista do Ricardo me buscou e me levou para a fazenda no interior do Rio. Fui com o rabinho assim (balança o dedo), todo animado, achando que seria o treinador da Seleção. Chegando lá foi foda. Ele disse que precisava de mim, pois era um cara respeitado. Foi naquela época de CPI do Futebol. Todo mundo com medo.
Ele (Ricardo Teixeira) disse que deixaria o futebol comigo. Disse que eu seria o presidente da comissão técnica. Foi esse termo que ele usou. Eu respirei e pensei: “P… que pariu, rapaz”. Mas ao mesmo tempo era a minha chance de trabalhar em uma Copa do Mundo, já que eu nunca tinha trabalhado. Aceitei.
Logo de cara você pegou uma fase muito difícil. Muita gente recusou o convite para trabalhar na Seleção?
O primeiro que eu convidei foi o Luiz Felipe (Felipão). Mas ele estava no Cruzeiro, disse que a família estava bem em Minas. Depois foi o Parreira. Ele também recusou, disse que já tinha vencido uma Copa do Mundo e falou que um raio não caía duas vezes no mesmo lugar. Depois pensei no Levir Culpi, que estava no São Paulo. Mas o Levir tinha falado uns troços contra a CBF. O Ricardo Teixeira não gostou. Não lembro o que o Levir tinha falado. Aí lembrei do Leão, que estava bem no Sport, um cara formado, professor de Educação Física, técnico diplomado. Ele topou na mesma hora.
Mas coitado. Ele pegou uma parte complicada. Nós teríamos pela frente a Copa das Confederações. Depois, nas Eliminatórias, enfrentaríamos o Uruguai, em Montevidéu. Estávamos mal nas Eliminatórias, e o Ricardo Teixeira disse para não convocar os principais jogadores para a Copa das Confederações para começarmos a treinar antes para o jogo contra o Uruguai. Então jogadores como Roberto Carlos, Rivaldo e Ronaldo não foram chamados. Ele convocou uma seleção de baixo nível, até porque não tinha outros para chamar. Coitado. Era quem estava sobrando. Aí foi aquela m…, e o Ricardo Teixeira ficou p…. Mas sem razão. Ali ele errou, porque ele disse que não fazia questão de ganhar a Copa das Confederações. Mas quando nós perdemos ele me ligou e falou: “Tira, porque já estou conversando com o Felipão. Pode demitir ele aí mesmo”. O Leão não teve culpa alguma. Eu fui falar com ele, mas ele não teve culpa alguma.
Em 2002, você queria levar o Romário?
Eu queria. O Ricardo Teixeira também. Mas fomos votos vencidos pelo Felipão.
Por Cauê Rademaker, Marcelo Baltar e Raphael Zarko — Rio de Janeiro
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