Brasileirão 2020
Esqueça por um segundo que a gota d’água foi uma briga que envolveu o Flamengo e a Globo
A hora de construir um Campeonato Brasileiro de verdade é agora. Ou nunca
O primeiro dia do resto de nossas vidas. Ruptura do contrato do Campeonato Carioca pode significar o início do fim dos estaduais, mas precisa transformar o calendário em coisa boa
Esqueça por um segundo que a gota d’água foi uma briga que envolveu o Flamengo e a Globo. Para quem está na milícia social do twitter, a rede anti-social que comprova que a humanidade deu errado, certamente é difícil. Exige pensar.
Mas o que aconteceu na quinta-feira, com o anúncio da ruptura do contrato do Campeonato Carioca, é o início do fim dos estaduais. Há dirigentes importantes de clubes grandes do país, como Bahia e Grêmio, que também pensam assim.
O rompimento do Carioca indica que a televisão não vai mais financiar campeonatos estaduais desinteressantes, ainda mais sem segurança jurídica. Isso se junta à dificuldade de terminar campeonatos como o gaúcho e o goiano, que podem ser concluídos neste ano sem proclamar campeões. O Brasileirão deve começar dia 9 de agosto.
Os estaduais… Ora, os estaduais.
Há trinta anos, discutimos esses torneios de um ponto de vista pessoal e equivocado, gosto ou não gosto e blá blá blá.
Não é essa a questão. Os times pequenos precisam ter dez meses de calendário, mas sem escravizar os gigantes. Nas últimas dua décadas, a pergunta era como viabilizar os pequeninos sem dinheiro da TV. Se as emissoras deixarem de comprar, vai ser necessário encontrar outra forma de financiamento, que seja pela rivalidade cidade contra cidade, seja com dinheiro de pequenas indústrias e do comércio local.
Claro que as cifras vão diminuir ou mesmo minguar. Aos pequenos, com menos orçamento, será possível tentar revelar grandes jogadores, vendê-los e disputar a chance de, no fim da temporada, jogar uma decisão contra o melhor representante de seu estado em âmbito nacional. É uma hipótese.
Uma certeza é que a ruptura não deixará os estaduais como eram. Os contratos do Gaúcho, Mineiro e Baiano terminam em 2021. Se não tem carioca, por que transmitir Jacuipense x Vitória para a Bahia?
Para os grandes clubes, impõe-se um desafio: construir um Campeonato Brasileiro de verdade. Chega de fingir que este modelo atual é suficiente. Não é. Ninguém na Espanha, Inglaterra, Alemanha e Itália está interessado em ver nenhum jogo de nosso melhor torneio. Só em Portugal. Convenhamos que ninguém aqui está interessado em ver um Benfica x Porto, o que explica em parte por que eles querem nos ver — além da beleza do Flamengo de Jorge Jesus.
Se a quinta-feira foi o início do fim dos estaduais como conhecemos, esta sexta precisa ser o começo de uma nova era em que executivos pensem no Brasileirão como um produto que precisa se aperfeiçoar ano após ano. Isto significa divisão de receita de maneira equilibrada, para que diferentes times se revezem na briga pelo troféu. Se houver desquilíbrio, só se for pela competência e organização, nunca pela distância financeira.
Sem o estadual, Vasco, Botafogo e Fluminense perderão R$ 18 milhões e terão suas receitas se aproximando perigosamente do Bahia, que tem mais organização. Razão para que também entrem na briga para fazer um torneio nacional de verdade. Passou da hora de ter um Campeonato Brasileiro competitivo, atraente, que o planeta queira ver.
Se não for agora, daqui a dez anos haverá mais e mais adolescentes torcendo pelo Real Madrid, Barcelona, Liverpool, Manchester City, Manchester United. Talvez até mais do que pelos maiores clubes deste ex-país do futebol.
Fonte: Globoesporte.globo.com / RJ