Policia
Polícia Federal apura superfaturamento na compra de respiradores no Amazonas
Troca de mensagens mostra como membros do Governo do AM agiram antes e depois de compra de respiradores investigada pela PF
Membros do alto escalão do governo são suspeitos de desvio de dinheiro em plena pandemia. Sistema de saúde entrou em colapso por conta da doença. Mais de 4,3 mil já morreram.
Mensagens em áudio, vídeo e texto trocadas entre membros do Governo do Amazonas mostram como o grupo, suspeito de desvio de dinheiro público na pandemia, agiu antes e depois da aquisição superfaturada de respiradores de uma loja de vinhos (veja mais abaixo).
Na troca de mensagens, em resumo:
- O ex-secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, diz que o governador Wilson Lima conhecia um empresário que financiaria os respiradores;
- O ex-secretário-adjunto de Saúde, Perseverando Garcia, sugere licitação fantasma;
- Após início de investigações, o ex-secretário-executivo de Saúde, João Paulo Marques dos Santos, teme que o grupo sirva de bode expiatório pela compra irregular;
- Perseverando se diz preocupado pois sabe que investigação quer dar resposta à sociedade;
- João Paulo pede que Tobias não apague as mensagens, porque podem salvá-los;
O governador Wilson Lima e o vice-governador, Carlos Almeida, já foram alvos de busca e apreensão na Operação Sangria, da Polícia Federal (PF). No dia 8 deste mês, a PF prendeu cinco suspeitos de envolvimento na fraude, entre eles o ex-secretário Rodrigo Tobias. Os cinco foram soltos no domingo (18), após o fim do prazo de prisão temporária.
Em abril, o sistema público de saúde do Amazonas entrou em colapso por conta da pandemia de Covid-19. Na época, Manaus também sofreu colapso no sistema funerário e, com caixões enterrados empilhados e em valas comuns, o número de mortes ficou 108% acima da média histórica. Até esta segunda-feira (19), a doença já havia matado mais de 4,3 mil pessoas no estado.
Segundo a PF, foi nesse cenário que integrantes da cúpula do governo estadual e empresários montaram um esquema de corrupção que comprou 28 respiradores da loja de vinhos FJAP, sem licitação, por R$ 2.976.000,00.
Compra de respiradores para pandemia é investigada por suspeita de fraude. — Foto: Divulgação/Secom
Nos celulares apreendidos, a PF encontrou mensagens trocadas pelos investigados. Em uma delas, no dia 4 de abril, Rodrigo Tobias diz a Perseverando Garcia que o governador Wilson Lima conhecia um empresário que financiaria os respiradores para o governo.
“Eu to recebendo muitas demandas, e uma delas que eu quero canalizar é do governador, parece que ele tem um canal de um empresário aqui do Amazonas, o cara é grande… o cara tem bala na agulha e o cara se prontificou a fazer as compras pelo Governo do Estado e a gente segue com o rito normal dos nossos processos e procedimentos pra comprar dele, tá?”, diz Tobias, em áudio.
A polícia diz que o empresário, de nome não divulgado, está sendo investigado. Dois dias antes, em um grupo no WhatsApp chamado “Só nós aqui”, o então secretário-adjunto Perseverando sugere uma licitação fantasma para a compra de respiradores da loja de vinho.
“Por que eu não corro com um processo fantasma, cara? E aí faço o empenho, entendeu? É muito melhor do que empenhar sem nada e mandar pagar, não tem garantia cara, nenhuma. Não tem amparo nenhum”, declarou em áudio.
O Governo do Amazonas comprou os respiradores ainda em abril. Com a abertura de investigações, por causa de corrupção, os suspeitos ficaram apreensivos, como revela uma troca de mensagens, em junho:
- O ex-secretário executivo de Saúde, João Paulo Marques dos Santos, preso na primeira fase da operação, teme que o grupo sirva de bode expiatório pela compra irregular dos equipamentos;
- Perseverando diz que também está preocupado, pois sabe que querem dar uma resposta à sociedade de qualquer forma;
- No final, João Paulo pede que ao então secretário de Saúde, Rodrigo Tobias, que não apague as mensagens, porque podem salvar ele e Perseverando de acusações.
Durante as investigações, os agentes da Polícia Federal apreenderam documentos com propostas de venda de mais respiradores da loja de vinhos para o Governo do Amazonas, que somam mais de R$ 35 milhões. Conforme a PF, o negócio só não foi concluído porque os envolvidos foram presos antes.
Vice-governador do AM é suspeito
A Polícia Federal (PF) suspeita no inquérito da segunda fase da Operação Sangria que o vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida, usava um escritório de advocacia para combinar propina. A Rede Amazônica teve acesso com exclusividade a indícios e provas que levaram à prisão de cinco pessoas (veja vídeo abaixo):
Segundo a PF, os encontros do vice-governador aconteceram em um escritório de advocacia em um prédio comercial no bairro Adrianópolis, Zona Centro-Sul. As reuniões aconteceram em maio.
Conforme a Polícia Federal, a situação chamou atenção já que as reuniões aconteceram em um prédio comercial, e não no gabinete do vice-governador. A suspeita da investigação é que os encontros serviram para acertos de propina.
PF suspeita que vice-governador do AM usava escritório de advocacia para combinar propina.
Em um vídeo publicado na internet, em maio, o vice-governador Carlos Almeida informou que a mochila que ele carrega é, na verdade, uma lancheira onde leva uma crepioca e proteína.
Em nota, o vice-governador Carlos Almeida afirmou que não praticou qualquer conduta ilícita. Ele também afirmou que, “apesar do constrangimento e do dano à imagem”, entende o contexto das medidas de busca, razão pela qual colaborou com o procedimento.
“Tenho a afirmar que durante meus mais de 15 anos de vida pública sempre trabalhei pela correção e defesa de direitos, ideais que me levaram à política e que sustento com veemência durante o curso deste mandato. E, justamente por não concordar com os rumos da atual administração que me desliguei da Casa Civil no início de maio deste ano”, diz a nota.
O que dizem os citados
O Governo do Amazonas informou, em nota, que está à disposição para prestar esclarecimentos aos órgãos que conduzem a investigação, cujo teor é protegido por segredo de Justiça. O governo disse, ainda, que a determinação é que a gestão tenha todos os seus atos pautados pela ética e transparência.
Rodrigo Tobias informou, por meio da defesa, “não haver praticado qualquer ato ilícito durante o exercício do seu cargo, sendo prova cabal desta afirmação o simples fato de que na época da aquisição dos famigerados “respiradores” já havia sido exonerado pelo Excelentíssimo Governador do Estado do Amazonas”.
Quanto a troca de mensagens, Tobias diz elas não revelam qualquer ocorrência de ato delituoso, mas ao contrário disto, servem como elementos de prova de inocência, os quais serão utilizados no momento oportuno por sua defesa técnica.
Perseverando Garcia e João Paulo Marques dos Santos disseram, ambos por meio da defesa, que ainda não tiveram acesso aos documentos decorrentes da segunda operação, e não têm como se manifestar ainda.
A empresa FJAP, por meio da defesa, explicou que a empresa comprou os respiradores, aplicou uma margem de 20%, dentre os quais 10% são tributos devidos na operação, “os outros 10 são os custos da empresa e lucro, o que não configura super faturamento por parte da FJAP”. Sobre a loja vender respiradores, a empresa disse que tem atividades distintas. A Sonoar informou que não irá se posicionar.
*Com colaboração de Luciane Marques e Alexandre Hissayassu, da Rede Amazônica.
Por G1 AM*